segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A Conjuntura Negra Brasileira, ou onde é que o calo dói


 Marcha contra o genocídio do jovem negro, Vitória, Espírito Santo, 2014 foto: André Alves
por marcos romão
Espírito Santo-foto andré alves 8

As análises de conjuntura política da sociedade brasileira feitas por vários amigos e amigas, ativistas ou acadêmicos ou os dois juntos do Movimento Negro, são ótimas, qualquer facção de extrema esquerda de qualquer partido de esquerda, ou setor do Movimento Negro de ultra esquerda assinaria embaixo sem piscar.
Temos sido nestes vinte anos a "borra da borra" do café dos setores de esquerda do Brasil, buscando paralelo no conceito branco " creme do creme" , quando nos referimos ao que teria de mais puro e genuíno em um "processo revolucionário". Isto se revelou muito bem nas últimas eleições para presidente em que no primeiro turno o racismo e as discriminações sociais, econômicas, de gênero e religiosas, das quais no Brasil em especial, o racismo é o motor e a matriz, ganhou lugar de destaque nos palanques, na grande imprensa e nas redes sociais.
Esteve subjacente nos discursos de todos e todas as candidatas no primeiro turno a questão racial, ora clara, morte de jovens negros, ora camuflada em discriminação ao "nordestino", vis a vis, preto e índio, e não os brancos Collor, Cids e Sarneys que também são nordestinos, ou no ataque aos médicos cubanos, que são iguais a pretas empregadas e porteiros de prédio, e não aos médico argentino Che Guevara ou "jesuíta" espanhol Fidel Castro, no imaginário branco nacional.
Vimos desde ruivinhas de cabelos encaracolados, passando por louras de cabelos laqueados, até narizes de ferro, dizendo nos palanques que tudo fariam pelos mais pobres, em resumo os negros. Vimos também o tempo todo nas redes sociais, que as discussões foram centradas nas discriminações em geral, contra ou a favor das cotas, contra ou a favor de homossexuais, ou contra ou a favor da pena de morte, e contra ou a favor de bolsa família e planos sociais. Subjacente a todos este temas, o racismo e a questão racial podiam ser visto sem lupa. Nunca vi uma campanha em que o racismo estivesse tão escancarado, tanto nos palanques quanto nas ruas e redes sociais. O voto negro "amorfo" e sem pai nem mãe decidiu ao fim e ao cabo as eleições no segundo turno. Amorfo, desesperançoso, desesperado, mas um voto que foi consciente, nas escolha entre qual seria o melhor carcereiro, ou o carcereiro mais brando, na falta de escolhas
Mal ou bem nosso discurso do Movimento Negro dos 70 prá cá, tomou conta do mercado de almas eleitoras nas últimas eleições. Voto por falta de opção, somado com nulo dados ou não dados pelos negros decidiram a a eleição na reta final.
Aos que pensam que faço uma análise megalômana da "força negra" e do racismo no Brasil, respondo, que é mais uma constatação trágica, pois os marqueteiros e ideólogos brancos, conhecem mais esta força do que nós do Movimento Negro, e a usaram este conhecimento para si e os partidos para os quais venderam o "Produto Negro".
Eles fizeram uma análise da conjuntura nossa, os negros, analisaram todo tempo a "nossa conjuntura" e nosso estado depauperado de conhecimentos e propostas globais e nacionais. Analisaram nossos fraccionamentos, e ignorância teóricas, e a antropofagia do cafre ad eterna que "eles" sabem muito bem manipular.
O mote do branco do Brasil poderia muito bem ser parafraseado de Alexandre Herculano pelo neocolonialismo brasileiro: " O negro passou a ser nosso melhor escravo, depois que deixou de ser escravo nosso."
Uma análise da conjuntura nossa é o que falta ser realizada por nós.
Onde estão, e nas mãos de quem, por exemplo, os nosso milhares de jovens ativistas e ou acadêmicos, nossos cérebros novos, em resumo?
Nos setenta éramos quantos, 100, 200 em todo o país, ativistas negros e negras mostrando a cara? (ressalto aqui, negros que podiam mostrar as caras, pois os mais velho estavam obrigados a se esconder ou por perseguição ou medo de perseguição). Nós, esta pequena centenas de jovens nos 70 e início dos 80 éramos inocentes e não sabíamos o poder que enfrentávamos, por isso ao contrário dos mais velhos mostrávamos nossas caras.
Sorte ou tática, não sei, o poder não sabia lidar com esta batata quente, que era "esse pessoal" atacando a "democracia racial", Sorte nossa que tanto o poder ditatorial, e as esquerdas, nos achavam café-com-leite no espectro político nacional, e quando muito imitadores de "Blackies Americanos".
Éramos para o Brasil um monte de macaquinhos sem cérebro dançando Soul nos subúrbios e nada mais. Nem na telinha aparecíamos. Ainda bem que tem o acervo ddo TELÃO NEGRO da NGURARIJO da Vick e do Ras Adauto, absorvido hoje pela Cultne para provar que não falo de fantasias.
Estes espaços eram os lugares de aprendizado político, em que os "um pouco mais velhos" passavam para os "um pouco mais jovens", conhecimentos sobre a autonomia de nossa luta nacional contra o racismo e restruturação do Brasil sobre novas bases, em que tenhamos a igualdade política plena. Base que para que tenhamos avanços que nos garantam conservar, sem depender da boa vontade de governos, conquistas políticas e sociais, que tenhamos alcançado.
Dos 90 para cá, os jovens negros perderam seus espaços de discussões autônomas para se alimentarem das demandas engendradas nas discussões entre negros. Nossos cérebros cairam de boca nos partidos, sindicatos e academias.
Para não falar do que conheço, pouco, cito apenas o exemplo do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras e Sos Racismo, que conheço muito. São exemplos de como praticamente todas a entidades negras existentes até então, foram aniquilado pela nova conjuntura do Movimento Negro em busca de espaço nos partidos e administrações governamentais;.
Onde estão hoje os jovens negros "cerebrais", que agora já não se contam às centenas e sim milhares neste Brasil?
No Rio de Janeiro em que eu frequento o movimento social e as manifestações desde a Rio+20. Vi negros e negras empunhando bandeiras das mais variadas tendências partidárias ou não, em meio a jovens brancos na linha de frente. Nada melhor para um foto mediática do que um carvãozinho com cabelos crespos no meio de coxinhas brancas.

Quando a cobra fumou, preto com ou sem culpa foi quem dançou e não teve habeas corpus que desse jeito.
Nas academias tenho visto a borra da borra do café intelectual negra. Estudos avançadíssimos e de nível internacional têm sido realizados.
Nos organismos de governos tenho visto negros e negras jovens que Franz Fanon iria se admirar de tanta erudição.
Mas ao fim e ao cabo tenho visto jovens negros em todo o país, com um bom arcabouço político e analítico sobre a conjuntura nacional e internacional, mas que não sabem, simplesmente não sabem o que fazer, quando discriminados na porta de um banco ou de restaurante ou supermercado, nem encarar um policial ou funcionário do SUS ou Seguro privado, que lhe retiram a dignidade ao lhe darem um baculejo, recusarem a entrada, ou recusarem um serviço a que tenham direito como cidadãos, que pagam e caro pelas migalhas que conquistaram!
E os velhos, ou os antigos, como tem uma garotada moderna e "afro centrada" nos tem chamado. Onde é que está este pessoal com experiência acumulada na luta negra brasileira?
Nas redes sociais vejo poucos. À exceção de uma ou outra sessão de prêmio ou homenagem memorial, vejo poucos na vida pública. Ou estão nos seus escaninhos continuando seus trabalhos de formiguinhas conscientizadoras, ou desistiram e volta e meia postam fotos de netos no facebook, ajudados pelas netinhas que entendem desta máquina.

Os antigos pagam um preço bem caro por esta falta de espaço próprio para conversar sobre conjuntura negra e outras hipocondrias.

Mas acontece que a conjuntura, a vida, pois não existe conjuntura sem existência e ação individual ou de grupos, está aí. Florescente como jamais vi, ou nunca antes, como costuma dizer um branco, que soube muito bem usar a "força negra" para seus propósitos individuais e partidários.
Felizmente os velhos ou antigos negros de hoje, não têm um quadro do novo Getúlio na parede de casa. Os tempos mudaram;
A garotada está pululando, tá agitada. Claro que ainda estão nas mãos das tendencinhas guetistas dos partidos e do Movimento Negro, é natural, faz parte da seiva da vida política. O vírus da CS (convergência socialista), inoculado em 1978 no Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR) deu filhotes, e hoje todos os grupos e tendências imitam este erro de nascença, e se especializaram em pescar negros jovens " revoltados", de forma acrítica para suas ideologias ou interesses dentro dos partidos. Importante ressaltar que estes negros e negras "cerebrais", acabam caindo nos guetos de tendências nos partidos, que não têm nenhuma expressão, poder ou voto no direcionamento dos partidos onde estão. Mesmo quando se tornam candidatos a cargos eletivos majoritários, são apenas efeitos simbólicos para interesse dos partido onde estão. Gastam suas granas de de suas famílias, para colherem a frustração da derrota. E quando pior, passam a se revoltar contra a política em geral em se tornam um zero a esquerda no processo de influência sobre a conjuntura nacional.
Não acuso estes jovens. Tiveram a quem imitar. Tiveram os exemplos anteriores de muitos negros e negras que eleitas desde 82, se destacaram no discurso conjuntural disso ou daquilo, mas se afastaram de suas "conjunturas negras", se afastaram das cosmogonias e mundo negro que os elegeram. 2014 foi uma ultrassonografia cibernética de alta tecnologia, revelada nas redes sociais, do distanciamento corporal e físico, entre as cabeças dos negros e negras cerebrais "antigas", e o corpo negro e jovem revoltado do país.
Salvo um ou outro piado não compartilhado e não repercutido nas redes sociais, imprensa e nas ruas, nossas "cabeças cerebrais negras" eleitas, em cargos acadêmicos, vestidos de lideranças sindicais ou partidárias não perceberam que haviam os "corpos" de uma Cláudia "Arrastada", ou um Amarildo "Desaparecido" na tal de "Conjuntura Nacional".
A conjuntura política negra viveu neste momento seu ápice esquizofrênico iniciado lá em 1978. Nossas cabeças cerebrais ficaram sem saber o que dizer e como agir. Ficaram sem saber o que dizer, não porque não estivessem revoltados e não soubessem como agir. Nossas cabeças cerebrais eleitas ou  nos guetos partidários, precisaram antes ouvir uma ordem de seus partidos ou tendências sobre o como agir. Eram seus calos que doíam, mas precisavam antes ouvir um diagnóstico dos seus líderes brancos, de que dedo era a dor que eles deveriam gritar.
Leões sem dentes, esqueceram, que pessoas do movimento social participa dos partidos para levarem as reivindicações dos seguimentos que os colocaram lá. Sem dentes e frustrados, passam então a dar patadas no movimento social que esqueceu que eles existiam. Pois a CONJUNTURA  de quem o calo dói é sempre outra.
Uma pista para analisar a conjuntura negra atual no plano nacional, para saber quem somos nós, negros e negras neste novo momento político. Pode-se procurar ao se fazer uma fotografia dos votos na Rocinha, no Rio de Janeiro, a favela que engoliu Amarildo.
Lá os dois deputados mais votados foram pessoas de espectros políticos opostos, o Bolsonaro e o Freixo. Um pertence à área de defesa dos direitos humanos, outro à turma do prende e arrebenta.
Se cruzarem o número de votos que um candidato a cargo federal e outro a cargo federal tiveram, podem chegar à conclusão que grande parte de votos dos dois, foram dados pelas mesmas pessoas.
Seria um paradoxo? Seriam votos de ignorantes políticos e inconscientes raciais do que estão fazendo e querendo?
Vejo isto como uma análise apressada. Poderia dizer que votaram na indefinida cidadania com direitos e humanos e na indefinida "segurança com porrada" que lhes foram apresentadas, quer nas ruas, quer nas redes sociais durante a campanha eleitoral. Os dois "brancos" estavam falando sobre os calos que doem para todo mundo, brancos, pretos e índios. Falaram de direitos humanos e segurança, cada um a seu jeito, e abocanharam as cabeças negras. Simples assim.
Do nosso lado, o silêncio sepulcral de nossos e nossas Capa-Pretas sobre os temas da " Conjuntura Negra", resultou esta catástrofe nas eleições proporcionais em todos os estados do Brasil. Catástrofe que é representada crua e nua na composição dos secretariados e ministério, dos estados e do planalto. Não temos representação negra. Perdemos, ou demos de mãos beijadas, o quase nada que conquistamos em 45 anos.
Os negros que chegaram ao parlamento foram eleitos por seguimentos religiosos. Eles também prometem aos seus eleitores, segurança na terra e direitos humanos no céu. Ganham fácil o nosso voto.
Ao contrário do que pregam alguns de os nossos intelectuais negros, ativistas ou acadêmicos, ninguém gosta de estar "entregue própria sorte". Em nossa vida individual e cotidiana em nossas famílias e círculos de amigos, nos agarramos no que pudermos para sobrevivermos junto com os nossos.
Mas e nossa conjuntura negra, como é que vai?

Como avô negro me preocupo com três coisa básicas.
1- Se cada um membro de minha parentada, inclusive eu, espalhada por várias cidades, chegamos vivo ao final do dia.
2- Se vai ter café da manhã prá todo mundo e se ninguém vai ser despejado, ter luz ou água cortada e ou ter penhorada sua televisão, por falta de pagamento.
3- Se nenhum dos filhos ou filhas de amigos ou amigas de e amigos de amigos, não foi preso, maltratado ou eliminado pelas forças policiais, ou assaltados e mortos por eles, ou pelo seguimento chamados de bandidos "puros" e "autônomos".
Com estes três itens prescrutados e acalmados, tenho então algum tempo para pensar nos meus vizinhos, na minha cidade, no meu estado, no meu país e na Conjuntura Mundial; Sem estas coisas básicas não passo de de um analista platônico da minha vida. Não passo de uma bolha flutuando para onde o vento me leve. Saber disso aumente a minha consciência de cidadão de um mundo globalizado.
Por sorte, converso volta e e meia com o meu peixeiro de poucas letras, o Bahia, de nome, não de apelido, como os negros espertos e falantes, costumavam serem chamados no Rio dos 60. Vejo, que ele tem sempre uma resposta na ponta da língua, para explicar a sua visão do particular de sua vida, e de sua visão do plural do mundo.
Me disse noutro dia: " Tá ruim mas escolhi, podia ser pior". Ao resumir como estava situação nacional e internacional.
Com sua tirada, eu não poderia encontrar melhor análise da conjuntura do negro brasileiro no atual momento.
"Disse tudo", diria minha sábia jovem sobrinha.
"Voltar às raízes", eram um mote do movimento negro na década de 70.
" Não deixar cortar as árvores plantadas", diria eu em 2015, ao propor uma nova análise da conjuntura em que vivem os negros e negras no Brasil atual.
Não tem que esperar solução de algum governante para o futuro.

Estou engajado há anos na luta contra o morticínio e genocídio do jovem negro no Brasil. Tenho que reconhecer que ao contrário do Mão Branca de 70, quem nos executa hoje são mãos pretas a serviço do racismo branco. Os executores e os mortos são pretos. Não os distingo entre policiais ou bandidos. Numa sociedade menos racista, todos nós negros e negras teríamos uma maior expectativa de vida, sejamos policiais, bandidos, ou meros cidadãos debaixo do fogo cruzado. Somos todos prisioneiros do mesmo gueto que nos empurra a matarmos uns aos outros.
Esta é a conjuntura básica em que vive a pessoa negra brasileira, seja em que seguimento ou classe a que pertença;
Para que tenhamos uma visão da conjuntura nacional como um todo. Temos que saber o que queremos todos e e todas, aqui e agora, temos que tomar  conhecimento da diversidade e riqueza que nós somos. A solução para as dores, as mortes, a tortura e os mal tratos,  nos será apresentada por todas as idéias de todas estas gentes negras e antirracistas.
Ou botamos os dedo em nossas feridas e a tratamos, ou os "outros" vão continuar jogando fel em nossos machucados, dizendo que é bálsamo dos deuses.
Comecemos a nos reconhecer e a nos respeitarmos.
Não batamos nem deixemos que batam em nosso e nossa companheira e companheiro.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A questão em jogo no Espírito Santo é essa: a vida do jovem negro não tem valor



Luiz Inácio Silva da Rocha, o Lula, militante dos direitos humanos e movimentos negros


Lívia Francez e Mariana Carvalho
Foto: Leonardo Sá/ Porã
  
Metade da vida de Luiz Inácio Silva da Rocha, o Lula, foi dedica aos movimentos sociais. Aos 15 anos fundou o grêmio estudantil de sua escola, no bairro de Santana, em Cariacica. Atualmente, perto de completar 30 anos, é presidente do Conselho Estadual de Juventude (Cejuve-ES) e coordenador do Fórum Estadual da Juventude Negra (Fejunes). 
Nesta entrevista a Século Diário, Lula lamenta a ausência de políticas públicas para a juventude no Espírito Santo e reforça a necessidade de ações que valorizem o jovem. Ele ainda fala da invisibilidade do negro na sociedade e da importância de se interromper o ciclo de desigualdade social e racismo no país.
Jovem e negro, Lula pôde sentir na pele o que é viver no segundo Estado do país onde mais se mata justamente esse segmento da população. O militante relembra o histórico de desrespeito aos direitos humanos nos governos de Paulo Hartung (2003 a 2010) e se preocupa com o futuro do Estado. Entretanto, Lula deixa um recado: os movimentos sociais se fortaleceram, e não vão permitir que as atrocidades do passado se repitam.

Século Diário - Nesta semana o Conselho Estadual de Juventude divulgou uma nota pedindo diálogo com o governo Paulo Hartung. Como tem sido a relação com o novo governo?
Lula - Não houve diálogo ainda. Nós tentamos uma abertura com a atual gestão, inclusive antes da posse, e até agora não conseguimos. Apesar já termos mandado um oficio ao governador e soltado uma nota, nos ainda não tivemos retorno. O que nos preocupa é que toda a equipe da Gerência Estadual de Juventude do Espírito Santo foi exonerada e isso nos deixou sem interlocução com o governo. Não sabemos nem a quem procurar para tratar das políticas públicas para juventude. Por isso essa nossa iniciativa de enviar um oficio para o próprio governador e também nos posicionar publicamente.
- Então até hoje a Gerência não foi realocada?
- Não, nós não temos informações sobre novas nomeações e não sabemos onde ela vai ficar, se é que ela ainda vai existir no atual governo.
- Essa Gerência foi instalada no ano passado?
- Foi em 2013. Apesar da implementação da Gerência ser um avanço para nós, ela tinha muitas limitações. Ela não foi criada com suporte técnico e financeiro. Acabava se resumindo ao gerente e a uma equipe mínima. Então, apesar da criação da gerencia ser um avanço, é um avanço muito tímido diante do desafio que é a criação de políticas públicas fortes para a juventude no Estado.
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- E o trabalho do Conselho Estadual de Juventude também está comprometido?
- O Conselho foi criado junto com a Gerência. Apesar da Lei que instituiu o Conselho ser de 2007, a primeira gestão só tomou posse em 2013. O Conselho é uma luta antiga da juventude aqui no Estado. A Lei foi proposta pelo deputado Cláudio Vereza (PT), foi aprovada na Assembleia Legislativa, maso então governador Paulo Hartung, no seu mandato anterior, vetou a lei. A Assembleia derrubou o veto do Executivo. Foi um dos primeiros e poucos vetos que a Assembleia conseguiu derrubar na gestão anterior do governador Paulo Hartung. Por isso, o Conselho Estadual de Juventude, desde a sua criação, já é um símbolo de luta e resistência. 
- O que existe de políticas públicas para a juventude hoje no Estado?
- De espaço institucional, o que existia era a Gerência e o Conselho. De políticas, ainda não se conseguiu fazer um mapeamento minucioso do governo anterior, mas são pouquíssimas iniciativas voltadas especificamente para o público juvenil. Existem outras políticas que acabam atendendo o jovem, mas as políticas públicas de juventude ainda são muito incipientes no Espírito Santo. Com esse diagnóstico, o Conselho elaborou um plano de ação para tentar dar conta desse desafio que é criar políticas públicas para atender a juventude. Um dos primeiros itens e a criação de um Plano Estadual de Políticas Públicas para a Juventude. Nesse plano, há uma série de ações específicas para atender o público juvenil nas mais diversas áreas, como saúde, educação, cultura, trabalho e lazer. Esse seria um primeiro instrumento para dar início a construção destas políticas no Espírito Santo. Para além do plano, o Conselho tem feito diversas ações. Lançamos no dia 12 de agosto a campanha “Ser jovem não é crime”, buscando dialogar com a sociedade sobre o que é ser jovem, sobretudo o que é ser jovem no Estado do Espírito Santo. Infelizmente, se veicula a imagem do jovem como problema, e quando se fala do jovem como problema se fala do jovem envolvido com o crime. Mas a juventude é mais ampla do que podemos imaginar, e a juventude do Espírito Santo vem desenvolvendo uma série de ações nas mais diversas áreas, que não ganham repercussão. Só ganha repercussão aquilo que o jovem faz que é negativo. A campanha “Ser jovem não é crime” tem como objetivo dialogar a respeito dessa condição juvenil e desconstruir essa imagem de 'jovem problema'. 
- Qual é a importância da presença do jovem na construção destas políticas públicas?
- Isso é muito importante e é uma preocupação muito grande do Conselho neste atual governo. A gente ouve o governador Paulo Hartung falar sobre juventude, destacando que o jovem terá outro papel prioritário nesta gestão, mas até agora nós não fomos procurados na condição de Conselho para discutir essas questões. O governo fala agora de várias ações para os jovens, mas sem ouvir a própria juventude. Trouxe órgãos de fora, especialistas [se referindo à implantação da Escola Viva], mas não conversou com o jovem do Estado para discutir quais são essas políticas. Por isso o Conselho faz esse esforço de diálogo, porque queremos participar dessa concepção de juventude. Fazer ações sociais sem ouvir os setores que serão atendidos não é fazer política pública, porque não vai atender as demandas reais dessas pessoas.
- Umas dessas ações para a juventude que o governo Hartung tem proposto é a Ocupação Social. Qual a sua expectativa sobre o projeto?
- A marca dos dois governos Paulo Hartung e até mesmo do governo Casagrande são marcas que não privilegiaram o diálogo social, sobretudo no campo da segurança pública. Acredito que esse tenha sido o grande equívoco do Programa Estado Presente, do governo Renato Casagrande, e possivelmente será o grande equívoco da Ocupação Social proposta por Hartung, se esse espaço de interação com a população não existir. Infelizmente, quando se fala de políticas públicas no Estado, a sociedade é vista apenas como delatora. Procura-se estimular a participação do cidadão apenas para que ele denuncie crimes, e não para que discuta os rumos da política. Queremos que a sociedade capixaba participe desse processo de construção de alternativas para o problema da violência no Estado. E não enxergamos a proposta da Ocupação Social cumprindo seu papel sem ouvir a sociedade civil e os movimentos sociais. 
- Na área de direitos humanos e da juventude houve algum avanço com relação as políticas públicas no governo Casagrande?
- Infelizmente não consideramos que houve avanços significativos e concretos. Tivemos algumas iniciativas, como a elaboração do Plano Estadual de Direitos Humanos, mas isso continuou muito periférico no governo anterior, o que para nós é um equívoco. Diante dos problemas estruturais que o Estado vive hoje, se não tivermos políticas que de fato tenham a profundida e a escala que mereçam ter, nós vamos continuar 'enxugando gelo' e não vamos superar essas desigualdades social.
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- Quando olhamos para os números do Mapa da Violência no Estado, vem logo a pergunta: por que tantos jovens negros morrem no Brasil e, especialmente, no Espírito Santo?
- Entendemos que a nossa vida, a do jovem negro, não tem tanto valor quanto a vida de jovens brancos. Fiquei bastante incomodado, por exemplo, a declaração da nova chefe da Polícia Civil, delegada Gracimeri Gaviorno, que disse que a prioridade da sua gestão será os crimes contra o patrimônio. Quando você tem um Estado que lidera os homicídios de mulheres e é vice no de homicídio de jovens, sobretudo negros, e você escuta uma declaração de que a prioridade da gestão de segurança pública será os crimes contra o patrimônio, é sintomático. Significa que as nossas vidas não têm tanto valor. Que é melhor seguir com a política de segurança pública patrimonialista em detrimento das vidas. Sentimos que a questão em jogo no Espírito Santo é essa: que as nossas vidas não têm valor. E também, infelizmente, há por parte da sociedade uma postura que legitima isso, muito influenciada pelos meios de comunicação, que não veem a nossa vida como dignas de proteção, e que acaba estigmatizando o jovem negro como bandido. Isso gera toda essa política da indiferença. Podem morrer vários jovens negros durante a semana, ocorrer várias chacinas durante o mês, e isso não gera comoção e revolta por parte da sociedade, que está anestesiada e é até mesmo incentivada a legitimar essas mortes por causa dessa propaganda dos meios de comunicação.

- E quais caminhos para reverter essa lógica perversa?
- Desde 2008, o Fejunes lançou a Campanha Estadual Contra o Extermínio da Juventude Negra. Nela a gente vem dialogando com a sociedade a respeito desse problema da indiferença e da importância de superá-lo. Existem diversas ações que realizamos, como a Marcha Estadual Contra o Extermínio da Juventude Negra, todo dia 20 de novembro. Mas é claro que, diante de toda essa máquina criada para legitimar as nossas mortes, essas ações ainda não surtem o efeito que gostaríamos. Mas é uma caminhada. A mobilização social e o engajamento do próprio jovem negro é fundamental para se contrapor a esse estado de invisibilidade. Além disso, é fundamental reivindicar políticas. Nós acreditamos que através de políticas públicas e ações afirmativas é possível dialogar a respeito da dimensão do valor da nossa vida. Nossa tarefa é dizer que o jovem negro é sim um sujeito de direito e tem direito à vida. 
- É possível perceber, durante a Marcha, que muitos alunos de escolas públicas participam. Você acha que o caminho é começar a discutir essa questão com o jovem mais cedo? Como fazer com que eles continuem perpetuando essa ideia?
- Esse é o investimento que fazemos desde o início, mobilizar os jovens onde eles estão, seja na escola, nos projetos sociais ou no bate-papo com a comunidade. A gente sempre tenta trazer esse jovem e despertar nele o interesse de reivindicar seus direitos. Na Marcha isso fica mais evidente. É um trabalho que fazemos ao longo do ano, nessa perspectiva de mostrar ao jovem que a mobilização é necessária e que é preciso que ele problematize essa relação no seu dia a dia. A Marcha acaba culminado esse trabalho árduo e permanente, que é discutir as relações raciais e a implicação delas na vida desses jovens.
- Isso também passa pelo resgate da identidade negra...
- Com certeza. O movimento negro já faz essa mobilização há algum tempo, mas de certa forma a gente conseguiu, com toda essa mobilização, fazer com que a discussão fosse aberta em outros espaços. Hoje já temos núcleos nas Universidades, grupos de estudo em diversos órgãos e a própria mídia tem aberto mais espaço. Então isso é fruto desse trabalho que o movimento negro já faz há décadas. Mas ainda é muito incipiente. Todo esse espaço que temos para discutir as relações raciais ainda é muito pequeno diante do desafio que é o racismo no Brasil.
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Na semana passada foi divulgado o Índice de Vulnerabilidade Juvenil, encomendado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Ele aponta que o jovem negro no Estado tem seis vezes mais chance de morrer do que os jovens brancos. E durante o período estudado, enquanto a morte de jovens brancos diminuía, a de negros aumentava. Por que não se dá a importância necessária a essas mortes?

- É ai que o racismo é escancarado na segurança pública. A gente ouve o governo anterior falando que o número de homicídios diminuiu, mas quando se faz a comparação, você vê que os jovens negros continuam morrendo muito mais do que os jovens brancos. Paralelo a isso, você não tem espaço para fazer essa discussão no campo da segurança pública. Seja o Estado Presente ou a Ocupação Social, eles não incorporaram a dimensão racial na sua importância. Então consideramos que o racismo está evidenciado tanto na invisibilidade dos números quanto na forma de lidar com esse problema. Porque se você tem uma diferença tão escancarada em número de mortes de brancos e negros e a o poder público não leva isso em consideração. É o racismo institucional vindo à tona.
- Não existe nenhuma tentativa do poder público em discutir a segurança pública nesse viés racial...
- Na política de segurança pública, infelizmente não. Temos uma tentativa agora com o Programa Juventude Viva, que foi lançado pelo governo federal e que o governo do Estado (Casagrande) aderiu. Mas que até agora também não conseguiu ganhar o grau de prioridade que deveria. E nessa transição não tivemos nenhum retorno do governo sobre a possibilidade do Programa ser mantido. Então essa é uma reivindicação do Conselho e de outros movimentos sociais. Esperamos que o Juventude Viva seja uma alternativa. Mas com relação à segurança pública, nós não temos nenhuma iniciativa nesse sentido.
- No Estado Presente e agora na Ocupação Social se fala muito no trabalho conjunto de vários setores do governo, mas o que se vê é uma atuação forte do aparato de segurança e uma atuação bem mais tímida dos outros setores, justamente os que seriam incumbidos de fazer o trabalho preventivo. Parece que há um descompasso  nessas ações?
- Essa intenção de se buscar ações de prevenção fica, na maioria das vezes, só na intenção. A gente não tem de fato um comprometimento institucional que privilegie o envolvimento de outros setores. O próprio Estado Presente deixou muito a desejar nisso, assim como outras políticas de segurança pelo Brasil. Apesar desse discurso da prevenção e integração, o que se destaca é o aparato repressor. E se você pegar o investimento vai ver isso. O quanto se gasta na compra de viaturas, com construção de presidio, e o quanto foi, por exemplo, destinado às políticas públicas de juventude. Nem dá para comparar porque, de fato, praticamente nada foi investido na juventude. Isso mostra que essa intenção fica mais no campo do discurso do que em uma diretriz política. E a gente espera que isso seja diferente nessa nova roupagem da Ocupação Social”. O conselho de juventude se coloca à disposição para discutir as políticas nesse sentido.
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- Mas não é isso que podemos esperar pelo histórico do governo Paulo Hartung. Nós temos o Cais das Artes, por exemplo, que voltou a ser muito falado pelo governo e está tendo um custo exorbitante para os cofres públicos. O governador agora quer dar uma roupagem social ao projeto, quando, na verdade, nós sabemos que ele não vai ser efetivo como espaço de inclusão social, sobretudo ao jovem negro da periferia. Até porque a obra foi concebida numa área nobre da cidade e bem longe dos problemas sociais fazem desses jovens as principais vítimas da violência. Quantos projetos sociais poderiam ser levados as comunidades mais vulneráveis com os recursos gastos no Cais das Artes?
- Para nós é uma grande incoerência o governo investir o que tem investido, e ainda vai investir, no Cais das Artes e ao mesmo tempo encerrar o programa Rede Cultura Jovem, que é um programa que visava o acesso a recursos e dava apoio aos jovens da periferia e aos jovens envolvidos com produção cultural no Estado, na difusão da produção cultural. É uma grande contradição investir tanto dinheiro na construção de um equipamento daquela magnitude, dizendo que é para atender a juventude da periferia, e cortar o programa Rede Cultura Jovem. Agora, em relação à nossa expectativa, de fato, pelo que temos de experiência nos dois mandatos anteriores do Hartung, não temos grandes esperanças de mudança. Mas a gente acredita que os movimentos sociais estão prontos para se contrapor a isso. A juventude do Espírito Santo tem construído diversos movimentos de resistência, através dos coletivos juvenis, através das manifestações, e até nos espaços institucionais. Então a esperança que temos é que os movimentos sociais vão se contrapor e não vão permitir que se repita o que aconteceu no passado. Apesar de não ter confiança no projeto político que está aí, eu tenho muita esperança nos movimentos sociais, que certamente vão reagir a qualquer tentativa de violação e ameaça aos direitos. Nós já temos uma juventude muito mais atuante, que se expressa das mais diversas formas e que já consegue fazer uma reflexão a partir da sua condição e a partir daquilo que acha que é interessante avançar no campo da política. 
- Quais são as ações do Conselho e do Fejunes planejadas para o próximo ano?
- No Conselho nós estamos com a elaboração do Plano de Políticas Públicas de Juventude, que deve ser entregue ao governador em abril. Também vamos desenvolver várias ações a partir da campanha “Ser jovem não é crime”. E temos outras atividades que o Conselho vem realizando, como o Cejuve Itinerante, em que vamos até o interior ouvir as demandas da juventude, e a Semana Estadual Contra o Extermínio da Juventude, que vai acontecer em setembro. No Fejunes, temos diversas iniciativas, mas o que vamos destacar para esse ano é o 'Segundo Encontro Nacional de Juventude Negra', que vai acontecer em setembro. É um encontro que reunirá jovens negros de todo o Brasil, e o Espírito Santo estará representado. Vamos continuar trabalhando na Marcha Estadual Contra o Extermínio da Juventude Negra, que acontece sempre em novembro. Também seguiremos realizando oficinas, palestras, caravanas culturais durante todo o ano.