terça-feira, 29 de novembro de 2011

Obra-prima de Jacob Gorender ganha 5ª edição

Obra-prima de Jacob Gorender ganha 5ª edição após 26 anos
Relançada pela Editora Fundação Perseu Abramo, a polêmica tese “Escravismo colonial” reinterpreta o legado de Gilberto Freyre, renova o marxismo brasileiro e consolida-se como a mais notável contribuição contemporânea acerca deste período histórico.


Reconhecido como um dos registros mais notáveis da historiografia recente do Brasil, O escravismo colonial, de Jacob Gorender, ganha 5ª edição pela Editora Fundação Perseu Abramo (EFPA). Publicado anteriormente entre o final da década de 1970 e a primeira metade dos anos 1980, o livro – na época, considerado polêmico por contestar as teses defendidas por pensadores devotos de Gilberto Freyre – debate a concepção histórica sobre o modelo de escravismo implantado no país e propõe a inserção do fenômeno entre as possíveis considerações sobre a formação do modelo de socioeconomia brasileira.

Passados 26 anos desde a sua última edição, “O escravismo colonial” afirma-se como a mais sólida análise contemporânea acerca da argumentação gilbertiana sobre o sistema escravocrata implantado no Brasil colonial e suas consequências que perpassam a ascensão do capitalismo, em meados do século XIX, até os dias de hoje.
Gorender reinterpreta os clássicos modelos derivados de Freyre e desconsidera a suposta existência de um regime feudal brasileiro, subsistente ou paralelo ao sistema escravista. Sua tese de escravismo colonial suscita outra via para o entendimento da formação econômica do país, ao admitir o fenômeno como o grande responsável pelo fortalecimento da unidade lusitana na América Latina, em contraponto à fragmentação observada no território hispânico.
O autor convida o leitor a refletir sobre a estrutura e o sistema de produção escravista vigente no Brasil e afirma que este foi um método novo, temporal e específico deste espaço geográfico, objetivado pela produção mercantil para atender principalmente a demanda europeia. Portanto, esta forma peculiar de regime é diferente dos moldes do escravismo clássico, feudalismo e, ainda, do capitalismo, colocando o país numa situação de exceção em relação às culturas ocidentais durante todo este período histórico.
Sendo Gorender marxista desde a adolescência, “O escravismo colonial” dá novo fôlego para o marxismo brasileiro, ao acrescentar novas categorias de análise nos mesmos modos de produção. A obra reforça o conceito de materialismo histórico, pois incrementa variações à fórmula de Karl Marx e o torna mais aplicável como ferramenta de estudo de sistemas econômicos que destoem dos europeus.
Jacob Gorender: intelectualidade excepcional
Nascido em Salvador, em 1923, Jacob Gorender é considerado hoje um dos mais importantes historiadores brasileiros. Filho de um judeu ucraniano socialista, frequentou a Faculdade de Direito de Salvador, onde militou na União de Estudantes da Bahia, durante o início de 1940.
Muito jovem, lutou na 2ª Guerra Mundial pela Força Expedicionária Brasileira. Foi membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) – ao lado de personagens importantes, como Carlos Marighella – e trabalhou como jornalista nos principais veículos de esquerda daquele período. Em 1968, com o início dos anos de chumbo da ditadura militar, Gorender aproxima-se da militância armada e participa da fundação do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).
Em janeiro de 1970, foi preso em São Paulo. Seguiram-se dois longos e traumatizantes anos de constantes torturas, mas também foi nesse período de Gorender teve forças para iniciar esta que atualmente é considerada a tese mais revolucionária sobre a formação socioeconômica brasileira, desde “Casa Grande & Senzala”. “O escravismo colonial” era publicado em 1978 pela editora Ática, com inesperado sucesso.
O preconceito contra seu autodidatismo intelectual o reservou à margem do campo acadêmico durante muitas décadas. Apenas em 1994, aos 71 anos, seu mérito foi reconhecido com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e passou a atuar como professor visitante no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP).
Atualmente, com 88 anos, vive entre livros e publicações, numa simpática casa de vila do bairro da Pompeia, na zona oeste da cidade de São Paulo.
A Editora Fundação Perseu Abramo registra sua homenagem a Jacob Gorender e reconhece a importância deste grande pensador brasileiro, com o lançamento da 5ª edição revisada de “O escravismo colonial”, marcada para novembro de 2011.








A comida vem dos terreiros

O sagrado que alimenta


Em Pernambuco, terreiros servem de espaço para cultos e também alimentação

Juremeiro Sandro de Jucá ao lado de Dona Dora e suas afilhadas de Jurema em ritual de "obrigação". Foto de Bernardo Dantas/DP.


Além de espaço de culto religioso, terreiros contribuem para a segurança alimentar de comunidades pobres

A comida posta à mesa é farta, variada. Tem um cheiro forte e sinais de um preparo cuidadoso. Há peixe frito, raízes e alimentos feitos com mandioca e milho. Um cântico entoado no salão pequeno, coberto com telhas de amianto, dá início ao ritual. O bairro é Jordão Baixo, Recife. Logo todos fecham os olhos em sinal de concentração. Aos poucos, o sacerdote e as filhas de santo circulam a mesa enquanto degustam as iguarias. A comida também é ofertada às entidades da jurema. O sagrado praticado nos terreiros transborda pelas frestas do espaço religioso, toma as casas da vizinhança e chama o povo para se alimentar. Seja dia de festa ou não. A solidariedade não deixa lugar para a fome na rotina difícil das comunidades pobres da Região Metropolitana do Recife.

A prática cotidiana da partilha de alimentos nos terreiros foi recentemente comprovada pela pesquisa Alimento: direito sagrado, documento publicado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), em parceria com a Unesco, que mostra o papel desses espaços de culto das religiões afro-brasileiras na promoção de segurança alimentar e nutricional das comunidades onde estão localizados. Apesar de historicamente serem caracterizados pela solidariedade, parece que somente agora o governo federal despertou para a importância dessa velha prática dos líderes religiosos: a distribuição de alimentos e a valorização de refeições saudáveis e diversificadas. Os pesquisadores coletaram dados de quatro regiões metropolitanas do país: Recife, Belém, Belo Horizonte e Porto Alegre.

“A jurema com seus frutos, sempre nos alimentou”, canta Sandro de Jucá. Juremeiro da casa Mensageiros da Fé, o mais antigo terreiro de Jordão Baixo, com 44 anos, ele mantém o cachimbo acesso nas mãos como sinal de religiosidade, invocação da espiritualidade. “Procurar o alimento e não ter é considerado algo muito grave por nós. Ao comer, alimentamos o corpo, mas também comungamos com o sagrado. Por isso, não ter a comida atinge não só o físico, mas também o espiritual”, afirma Sandro, que também é babalorixá no candomblé.


Pratos que compõem a culinária da Jurema. Mesa de Jurema. Foto de Bernardo Dantas/DP.


Cozinhas comunitárias

Séculos de atraso na aplicação de políticas públicas junto à população de terreiros, podem ficar para trás com o mapeamento desses espaços. Uma das propostas mais interessantes surgidas a partir do estudo é a implantação de cozinhas comunitárias nessas casas. Ao todo, 92% dos terreiros das quatro regiões metropolitanas pesquisadas têm alguma ação de preparo e distribuição de comidas para as famílias do entorno.

“O estudo revelou que a maior parte das cozinhas são razoavelmente equipadas, mas muitos sentem falta de uma estrutura melhor. A ideia da cozinha comunitária é equipar esses espaços e capacitar quem prepara a comida para a educação alimentar, a exemplo das que já foram destinadas à população quilombola”, destaca Marcos Dal Fabbro, diretor da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do MDS. O plano pode ajudar a melhorar a política de combate à fome do governo federal. Os dados revelam que 31% dos terreiros distribuem alimento para a comunidade. Outros 14,3% repassam o mesmo apenas para pessoas em situação de risco social.


Domínio feminino


Doralice Pereira de Lima é dona Dora, a yalorixá do terreiro Mensageiros da Fé. Ela faz parte de uma legião de mulheres que lidera os terreiros do país. Segundo os dados do MDS, em 55,1% dos casos, são elas quem comandam esses espaços. Quando se fala em cor/raça, 72% dessas pessoas se consideram negras ou pardas, com destaque para a Região Metropolitana do Recife, que tem o maior percentual entre as regiões pesquisadas daqueles que se identificam como pretos ou pardos (82,3%). Em meio ao domínio de mulheres negras ou pardas, um ponto negativo: a RMR tem o maior percentual de lideranças sem escolaridade, com 8,2% desse contigente.

O perfil traçado aponta outros dados importantes. Se nas outras regiões do país é a umbanda que mais ocupa espaço nos terreiros, na RMR a jurema, religião de matriz indígena, lidera o ranking. Das 1.261 casas levantadas pelo estudo, 896 são de juremeiros. A RMR somente perde para a RM de Porto Alegre em número de terreiros. Lá, são 1.342 casas.

Em Pernambuco, outro ponto preocupante se refere ao acesso a políticas públicas de esgotamento sanitário e água potável desses espaços religiosos. Na RMR, o percentual de terreiros com atendimento irregular da rede de água é de 67,7%. Também é a capital pernambucana e seus municípios vizinhos que apresentam os maiores percentuais de fossas rudimentares e sépticas não ligadas à rede coletora, 17,5% e 23,4%, respectivamente. Outros 7,5% despejam o esgoto em valas.


Nada pode ser desperdiçado


Os terreiros de umbanda, candomblé e jurema são espaços conhecidos pela fartura na oferta de alimentação e pela qualidade da comida oferecida. “Uma das características dos terreiros é que os cardápios são direcionados aos orixás e às outras pessoas que frequentam o espaço ou apenas visitam em dias de festa de santo. A ideia é: vou fazer o melhor com o melhor ingrediente. Nada pode ser desperdiçado, tudo deve ser partilhado”, explica o antropólogo e especialista em antropologia da alimentação, Raul Lody.

Juremeiro, Alexandre L’Omi L’Odò conta que as festas mais tradicionais do povo de terreiro em Pernambuco acontecem em dezembro (Iemanjá), em julho (Oxum), em junho (Xangô), em março (mestres) e em agosto (trunqueiros). “Nessas horas, costuma-se servir a população em geral. São dez quilos de feijão, trinta quilos de carne e nove quilos de arroz, por exemplo. O que sobra, é reaproveitado. Nesse caso, essa não é a comida do sagrado”, explica. Em geral, as festas abertas acontecem três dias depois dos rituais internos, quando são feitas as obrigações aos orixás.


Culinária para a melhoria de vida


No terreiro Ilé Axé Ogbom, em Água Fria, no Recife, o preparo de alimentos está ligado à melhoria de vida. Mulheres em situação de risco social aprendem no espaço boas práticas de alimentação em um curso gratuito ministrado pela yabassé Carmem Virgínia e apoiado por uma rede de supermercados.


“Ensinamos o preparo de comidas que são de grande aceitação comercial com foque na culinária afro”, explica Carmem, que aos 7 anos já sabia que assumiria a função de yabassé, a mulher responsável pelo preparo da comida no candomblé. Hoje ela também é consultora em restaurantes de cozinha afro internacional.


Levar a frente ações sociais como essa, no entanto, não é fácil. O estudo revelou que 52,5% das lideranças dos terreiros usam sua própria renda na compra dos alimentos. O problema é que quase metade dessas lideranças (46,9%) recebe apenas até um salário mínimo por mês. “Sem alimento não há desenvolvimento. O homem não pensa, não vive. Em qualquer lugar, o alimento tem que ser sagrado”, alerta o pai de santo do mesmo terreiro, Everaldo de Xangô. É exatamente na RMR que está o menor rendimento das lideranças, com 85,3% delas recebendo até dois salários mínimos.


Pai Everaldo de Xangô e a Iyabassé Carmem Virgínia do Ilé Axé Ogbom. Foto de Bernardo Dantas/DP.

Maria Luiza Santos da Silva, 53 anos, diz que reconhece o valor que o terreiro tem. Vizinha do Ilé Axé Ogbom, ela conta que muitas vezes, precisou pedir ajuda no espaço e nunca foi mal recebida. “Cresci em terreiro e conheço bem a realidade. Nunca bati na porta de pai Everaldo pedindo ajuda para receber um não. Muitas vezes ele me deu feijão, arroz. Ele não dá mais porque não pode”, conta a dona de casa, casada com um biscateiro e mãe de 10 filhos.


No terreiro Mensageiros da Fé, houve tempo em que até médicos eram trazidos para atender a população carente. “Não temos mais suporte financeiro para isso”, comenta Sandro de Jucá, juremeiro e babalorixá. Apesar das dificuldades, ao menos uma vez por mês o grupo distribui sopa aos moradores do bairro. “Quando dá, também oferecemos enxovais a quem nos procura. A fartura vem da espiritualidade”, explica.


Apenas 12% dos terreiros recebem cestas de alimentos do governo federal, segundo a pesquisa, o que ainda representa muito pouco. Na RMR está o maior percentual de terreiros que recebem estas cestas, 31%.


Entrevista com Sônia Lucena



O alimento que sai dos terreiros não tem apenas cheiro de solidariedade. Possui ingredientes nutritivos, como avalia a nutricionista Sônia Lucena, do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco e membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar.


Como a senhora analisa a prática de distribuição de alimentos pelos terreiros?


Historicamente, o terreiro não é só espaço religioso. Assim como as igrejas, também fazem m trabalho social. A música produzida por eles, por exemplo, é de ótima qualidade, assim como a comida, que tem um cardápio próprio, de origem afro. Quando vieram seqüestrados e escravizados do continente africano, muitos negros trouxeram sementes escondidas nos seus próprios cabelos e assim conseguiram manter a tradição alimentar ao longo dos séculos.


Podemos afirmar que as comidas de terreiro são saudáveis?


Depende. Se agente fala em consumo de vatapá todo dia, por exemplo, não é indicado porque o óleo de dendê usado no seu preparo depois de levado ao fogo é rico em colesterol. O mesmo vale para o coco, que consumido em excesso traz sobrepeso. É como se alimentar com uma ceia de Natal todos os dias. Se a população fizesse isso, 90% das pessoas estariam obesas.


Segundo a pesquisa, a maioria dos alimentos consumidos nos terreiros da RMR são os caprinos, o frango e o fubá. Além disso, eles também costumam oferecer à comunidade a conhecida mistura de feijão, arroz e carne. O que a senhora acha desses produtos?


A mistura de feijão, arroz e carne é excelente, perfeita. O Conselho Nacional de Nutrição chegou a fazer campanha para estimular esse consumo. O feijão é rico em proteína vegetal e o arroz em aminoácidos. Juntos, dão uma mistura protética muito rica. No entanto, estamos falando de feijão com água e sal e não de feijoada. No caso da galinha criada em casa, qualquer um pode comer, desde que tire o couro, pois é onde está armazenado o colesterol. A carne branca tem menos colesterol que a carne vermelha. No caso do fubá, é o milho beneficiado. É um alimento rico em calorias. A mistura de carne de bode, por exemplo, com produto oriundo do milho também é muito boa, pois o que falta na proteína do milho é complementado pela proteína animal.


Dados da Pesquisa


matéria do jornal Diário de Pernambuco de domingo - 27 de novembro de 2011, caderno Vida Urbana C6 e C7 (duas páginas). Solicitei ao Diário essa matéria, por ter identificado que o lançamento oficial dos resultados da Pesquisa Socioeconômica e Cultural das Comunidades Tradicionais de Terreiro de Recife e Região Metropolitana, realizada pelo MDS- Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, com parceria com a SEPPIR e a UNESCO e realização da entidade Filmes de Quintal, passou quase desapercebido pela mídia local em todos os seus âmbitos.

Horas, como resultados tão importantes e impactantes para a realidade social, cultural e religiosa do nosso Estado, como os dessa pesquisa passariam desapercebidos pela mídia? Resposta simples: o racismo e a intolerância religiosa ainda são fortes aliados no desinteresse por assuntos ligados essencialmente a temas dos povos afro descendentes e indígenas, sobre tudo às religiões de matrizes africanas e indígenas.

Contudo, a jornalista Marcionila Teixeira se interessou pela pauta sugerida e caiu em campo. Realizou um belo trabalho de pesquisa, trazendo ao povo pernambucano essas informações de forma inteligente e esclarecedora. Assim, o Diário de Pernambuco, quebra parte da barreira histórica que sempre colocou assuntos ligados ao povo negro e índio nas páginas policiais.


Digitalizei parte da matéria (fotos, dados e textos). Ainda digitei parte do texto que só saiu na versão impressa do jornal. Portanto, a matéria aqui está totalmente completa e na íngra.

Fico feliz em ter podido contribuir de forma ativa com a visibilização dos resultados dessa pesquisa. Sou de terreiro. Fui pesquisador de campo nesse levantamento de dados e, ao ver esse resultado concreto (impresso) só agradeço à minha mãe Oxum e a Jurema Sagrada e, também ao trabalho que realizo em conjunto com o Quilombo Cultural Malunguinho, que ao longo dos seus 8 anos de existência vem torando possível, de forma coletiva, o fortalecimento crítico e religioso (teológico) do povo de terreiro de pernambucano, sobre tudo o do Povo da Jurema Sagrada e da cultura popular.

Salve a Jurema, salve a fumaça e salve Malunguinho! Sobô Nirê!



Alexandre L'Omi L'OdòQuilombo

Cultural Malunguinhoalexandrelomilodo@gmail.com



Alexandre L'Omi L'Odò
Sacerdote Egbomi L'Osùn e Juremeiro
Estudante de História - UNICAP
Músico/Percussionista - Arte-educador
Pesquisador - Produtor Cultural/Fonográfico
Gestor Cultural e Exotérico Holístico
Rua da Harmonia nº.27
Peixinhos - Olinda - PE
Cep:53220-330
00 55 (81) 8887-1496 (Oi) / 3244-2336 (Res.) / 9868-5570 (TIM)
http://www.alexandrelomilodo.blogspot.com/
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A CARTA DA COORDENAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES NEGRAS (CONEN) PARA A XIV CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE

CARTA DA COORDENAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES NEGRAS (CONEN) PARA A XIV CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE

“TODOS USAM O SUS! SUS NA SEGURIDADE SOCIAL, POLÍTICA PÚBLICA E PATRIMÔNIO DO POVO BRASILEIRO”


O Brasil parece finalmente estar a passar do período da pós-independência para o período pós-colonial. A entrada neste último período dá-se pela constatação de que o colonialismo, longe de ter terminado com a Independência, continuou sob outras formas, mas sempre em coerência com o seu princípio matricial: o racismo como uma forma de hierarquia social não intencional porque assente na desigualdade natural das raças. Esta constatação pública é o primeiro passo para se iniciar a viragem descolonial, mas esta só ocorrerá se o racismo for confrontado por uma vontade política desracializante firme e sustentável. A construção dessa vontade política é um processo complexo, mas tem a seu favor convenções internacionais e, sobretudo, a força política dos movimentos sociais protagonizados pelas vítimas inconformadas da discriminação racial. Para ser irreversível, a viragem descolonial tem de ocorrer no Estado e na sociedade, no espaço público e no espaço privado, no trabalho e no lazer, na educação e na saúde.
Boaventura de Sousa Santos (Folha de São Paulo, 21/08/06)

“Saúde, o feito por fazer”

Retomamos o tema do IV Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, realizado em 1994, em Recife, pelas possibilidades de reflexões acerca do processo de articulação, formulação, implantação e implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN).
Tema provocativo e portador de simbologias que demarcavam a gravidade da situação sanitária e social da população brasileira, o percurso difícil e tortuoso do setor no período e o compromisso, que todos deveriam reafirmar, de continuar nossa luta pelo direito à saúde. (Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva - Abrasco, 1994)
Assim estamos nos marcos da realização da 14ª Conferência Nacional de Saúde: “Todos Usam o SUS! SUS na Seguridade Social, Política Pública e Patrimônio do Povo Brasileiro”, em contexto histórico de inegáveis avanços institucionais e democráticos que reconhecem a justeza da política de saúde da população negra como uma das estratégias que materializa a saúde como direito de todos e dever do Estado, o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Todos usam o Sistema Único de Saúde (SUS), mas nem todos temos garantido o direito à saúde. O percurso difícil e tortuoso de constituição da PNSIPN demonstra o feito por fazer, pois, fruto de ampla articulação no âmbito do governo federal, ao longo dos últimos dezesseis anos, se consideramos a Marcha Zumbi dos Palmares – contra o racismo, pela cidadania e a vida, em 1995, como um dos seus marcadores, a Política de Nacional Saúde Integral da População Negra é aprovada pela Conselho Nacional de Saúde em novembro de 2006, pactuada no Comitê Gestor Tripartite em maio de 2008, e instituída como política em 13 de maio de 2009, uma longa jornada pelos meandros da institucionalidade e relações de poder.

Uma trajetória marcada por fluxos e refluxos, que teve por base a histórica realização do I Seminário Nacional de Saúde da População Negra, em agosto de 2004, e a constituição do Comitê Técnico de Saúde da População Negra, no âmbito do Ministério da Saúde.
Este processo teve na Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) um ator fundamental, que possibilitou o diálogo entre ativistas do movimento de homens e mulheres negras, acadêmicos e o Ministério da Saúde, em cumprimento à sua missão institucional, como órgão assessor da Presidência da República, de acompanhar e coordenar ou formular novas políticas de promoção da igualdade racial.
Dos percursos tortuosos, o feito por fazer, apesar dos avanços em configurar um Plano Operativo caracterizado pela transversalidade, gestão estratégica, solidária e participativa, ações e metas para serem cumpridas pelos estados, Distrito Federal e municípios, a ousadia de assumir o racismo como determinante social das condições de saúde da população negra, após quatro anos, consideradas as fases 1 (2008-2009) e 2 (2010-2011), pouco ou nada foi feito, apesar da existência de recursos financeiros.
A gravidade da situação sanitária da população negra marcada pelas mortes precoces, pela violência, por maiores riscos de mortalidade infantil e mortalidade materna, nos coloca frente aos desafios de, durante a 14ª Conferência Nacional de Saúde, responder quais foram os obstáculos enfrentados para a implementação da PNSIPN? Quais estratégias de gestão foram pensadas para a superação destes obstáculos? Por que o pacto de operacionalização da política não foi cumprido? Por que as instâncias de controle social não cumprem o seu papel de monitoramento? Qual o melhor arranjo institucional para cumprir com o feito por fazer? Por que, diante dos dados epidemiológicos que apontam desigualdades raciais em saúde, o sistema não considera metas diferenciadas para a superação das mesmas?

Pelo exposto consideramos que:

Há necessidade de rever a gestão da política, inserido-a em locus com capacidade instalada, expertise e poder de indução da política, que no início de sua formulação encontrava-se na Secretaria Executiva, e que posteriormente passa a compor uma das áreas da Secretaria de Gestão Participativa (Segep); o baixo perfil de execução do Plano Operativo requer análises que permitam avaliar o desempenho da Segep e suas possibilidades de coordenar a PNSIPN;

Há necessidade de arranjos institucionais que ampliem a capacidade do sistema em dar respostas às necessidades de saúde da população negra, ou seja, alianças com outros setores em condições de dar suporte teórico e metodológico sobre a desconstrução do racismo em saúde, uma vez que é sobejamente conhecida sua incapacidade nesta área;

Há necessidade de indicação de gestores com espaço de poder e capacidade técnica e política de gerir a política para superação do impasse no qual nos encontramos, onde as desigualdades raciais em saúde se ampliaram, como é o caso dos homicídios que vitimizam a juventude negra, oficialmente reconhecido como genocídio no Mapa da Violência;

Há necessidade da formação continuada dos/as trabalhadores/as do serviço de saúde para a implementação da PNSIPN;

Há necessidade da obrigatoriedade e de manutenção de compromissos assumidos quanto à coleta e análise de dados desagregados por raça/cor que não tem sido realizadas de forma sistemática, inviabilizando mais uma vez o conhecimento sobre a situação de saúde da população negra, como foi o caso do Suplemento Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2008, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, por demanda do Ministério da Saúde); a variável consta do questionário, mas não foi analisada na publicação, dentre outros exemplos;

Há necessidade de inserção das ações, estratégias de operacionalização, indicadores e metas da PNSIPN no Contrato Organizativo da Ação Pública de Saúde em acordo com o Decreto 7508 de 28 de junho de 2011, que regulamenta a Lei 8080/90, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde (SUS), o planejamento da saúde, a assistência e a articulação interfederativa, e dá outras providências.

Cabe portanto à plenária da 14ª Conferência Nacional de Saúde, nos dias 30 de novembro a 4 de dezembro de 2011, garantir o pleno gozo do direito à saúde da população negra, reconhecer, em acordo com as diretrizes da Conferência, as necessidades específicas, condições singulares, contextos particulares que requerem unidade na diversidade, ou seja, uma política nacional única com dispositivos organizacionais diversos e respostas apropriadas para distintas necessidades, pois todos usamos o SUS, mas nós, negras e negros, não temos garantido o exercício pleno do direito à vida, conforme demonstram os dados já fartamente conhecidos.
Não podemos mudar o passado, mas com certeza somos responsáveis pelo presente e a história cobrará nossa omissão.


Brasília/DF – 20 de outubro de 2011

Colóquio Nacional da Saúde da População Negra, com a participação de militantes e dirigentes da Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen) dos seguintes Estados: Acre, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe, Tocantins e Distrito Federal.


O MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA EM MONTES CLAROS MG

NOVEMBRO O MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA
O QUE ISTO SIGNFICA PARA OS (as) BRASILEIROS (as)



Com a promulgação da Lei. 10.639, da obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana devemos ficar atentos(as) para não “Guetizarmos” a discussão das Relações Étnico-Raciais e História da África. Este é um tema de todos (as) brasileiros(as), negros, brancos, pardos, amarelos. E não “assunto de negro” .Falar em História da África aos(as) nossos alunos(as) é fazer conhecer a História do mundo e da Humanidade, é adentrar em um continente, além das praias, como não fizeram os historiadores, “europeus”, que nos contaram apenas sua versão, sobre a África colonizada, (A história apenas da boca do caçador europeu).Temos o dever de contar aos(as) nossos(as) alunos(as) a história de África, antes do tráfico negreiro. A África não nasce, quando o europeu chega ao continente. Quem era este negro(a) escravizado(a) que veio para o Brasil? Como era constituída a sociedade africana nos diversos países? Como se deu a resistência negra no Brasil?
Corrigir o estigma da desigualdade racial, principalmente na escola é tarefa de todos(as), eliminando estereótipos racistas. Neste sentido não podemos, apenas reforçar uma África dos três “Ts”, TARZAN, TRIBO E TAMBOR, como a mídia nos mostra. Não basta pintar o(a) aluno(a), vestindo de africano(a), tocar tambor e jogar capoeira, nos dias 13 de maio e 20 de novembro, pensando que está dando visibilidade à Lei. 10.639, isto é um grande perigo, é reforçar estereótipos. Caso seja feito, é necessária uma contextualização das atividades, não para preencher laguna e cumprir calendário. Fazer saber qual foi a importância da Dança, da música e da capoeira na vida dos(a) negro(a) escravizado(a)? Além do mais é importante o envolvimento de toda a escola, interligando as disciplinas com o mesmo tema. É comum ouvirmos: “Nossa escola não precisa trabalhar a questão do(a) negro(a), aqui não tem racismo”. Frases como esta mostra como muitos(a) professores(as) ainda tentam jogar a discussão ,RACIAL, para debaixo do tapete, como foi feito durante anos, no silêncio das escolas. Muitas das vezes, um ou dois, professores idealizam o projeto, de cultura afro na escola, e morrem na praia, tamanha a dificuldade em encontrar parceiro(a), o receio em tocar no tema ainda é grande na sociedade brasileira. Como afirma KABENGELE MUNANGA:


Podemos até não querer repensar uma nova política na escola, por medo, conivência ou falta de apoio, mas temos a obrigação de um começo, responsável, para formação de cidadãos conscientes.
Temos relato de professores(as) e diretores(as) de escolas públicas e particulares que estão, impedindo, projetos relacionados à Cultura Afro-brasileira e História da África, por questões religiosas. Uma vez que, inevitavelmente, irão mencionar a religiosidade afro-brasileira, com seus orixás e outras manifestações. Atitudes como esta é reforçar o racismo, a intolerância e falta de visão pedagógica, em detrimento do baixo índice educacional de nossos(as) crianças e adolescentes. Realidade como esta deve ser, DENUNCIADA, URGENTE.

Temos consciência que muitas vezes o(a) professor(a) encontra um ambiente hostil, um livro didático, perverso com nossas crianças negras, onde, ainda hoje, são representadas como pobres, escravas, desnutridas e pessoas feias. Isto é uma triste realidade. E ainda: no entanto, alguns professores, por falta de preparo ou por preconceitos neles introjetados, não sabem lançar mão das situações flagrantes de discriminação no espaço escolar e na sala de aula como momento pedagógico privilegiado para discutir a diversidade e conscientizar seus alunos sobre a importância e a riqueza que ela traz à nossa cultura e à nossa identidade nacional. Na maioria dos casos, praticam a política de avestruz ou sentem pena dos “coitadinhos”, em vez de uma atitude responsável que consistiria, por um lado, em mostrar que a diversidade não constitui um fator de superioridade e inferioridade entre os grupos humanos, mas sim, ao contrário um fator de complementaridade e de enriquecimento da humanidade em geral.

Professor(a), aluno(a), que tal neste 20 de novembro você começar a elaborar um GRANDE PROJETO, em conjunto, na sua escola? Com um tema voltado para a cultura afro-brasileira e História da África, que possa culminar em um seminário no próximo ano? Se você está pensando apenas em convidar um grupo de capoeira, dança afro, Congada ou Samba para comemorar o 20 de novembro, que tal convidá-los a incorporar o projeto, para uma discussão maior? Contextualizando a prática? Mas lembre, não cabe apenas ao(a) professor (a) de História, e sim o de Geografia, Ciências, Português, Literatura, Educação Física e demais disciplinas.

SUGESTÕES DE ATIVIDADES:

- CIÊNCIAS: Constituição Física do Negro: Motivos do cabelo crespo, nariz achatado.
- EDUCAÇÃO FÍSICA: Corporeidade Negra, A dança como forma de Educação do povo negro.
- GEOGRAFIA: Estudo dos Países Africanos – Divulgação do Mapa da África na Escola – Estudo de povos africanos, antes do tráfico negreiro.
- LITERATURA – Escritores Negros – Poemas Negros, Letras de Samba para análises.
- OFICINAS DE DANÇAS AFRO-BRASILEIRAS, TRANÇAS AFRICANAS – (OBS) Não apenas no dia 20. Um Mês, com textos explicativos, palestras pelos(a) professores(as) contratados(as).
- ALIMENTAÇÃO: Comidas Africanas e Afro-brasileiras, História da culinária Africana.

Hilário Bispo
Pesquisador/militante do Movimento Negro
Acadêmico de Letras Inglês UNIMONTES e História das Facudades ISEIB–MINAS- (38)99464731/ (38)91044369
E-mail: hilariobispo@yahoo.com.br
tamboresdosmontes.blogspot.com

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Ponto de Cultura Caravana de Artesania realizou várias atividades na cidade de Montes Claros - MG

Ponto de Cultura Caravana de Artesania realizou várias atividades na cidade de Montes Claros



Após as Festas de Agosto, a Caravana continuou com suas andanças, trocas e descobertas em Montes Claros. Na terça, dia 23/08, estiveram no bairro Cidade Industrial, no Projovem Adolescente, a convite do arte educador e facilitador social Hilário Bispo.

Debaixo da sombra de uma generosa árvore, o público do bairro se divertiu na cena de "magia" com os palhaços e ainda acompanhou a história "Procurando Firme" contada pelas atrizes.

Ao final, fizeram um bate-papo e intercâmbio como o grupo de dança coordenado pelo professor Hilário Bispo.

No dia 24/08, quarta, visitaram a Escola Municipal Mestra Fininha, no bairro Ciro dos Anjos. E seguindo o cronograma, no dia 25/08, quinta, estiveram na Escola Municipal Eunice Carneiro, no bairro Conjunto Habitacional José Corrêa Machado.Na quinta, sexta e sábado (dias 25, 26 e 27/08) fizeram o encontro Roda de Palhaços, com a participação de artistas e estudantes de psicologia de Montes Claros. As cenas criadas foram apresentadas na Praça Dr. Carlos, na Praça da Matriz e no Mercado Municipal, dentro de um cortejo cênico-musical.

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Artistas que participaram das atividades: Allison de Sá, Cristiano Pena, Danillo Lisboa, José Mendes, Júnia Bessa, Lílian Antunes, Luba Oliveira, Markus Câmara, Nádia Priscila Almeida, Soraya Santos e Zildo Flores.

Colaboradores: Achilles Coelho, Ana Cláudia Queiroz, André Meira, Aroldo Pereira, Fabiano Batata, Fabrícia Maia, Hilário Bispo, Ingrid Rodrigues, Mylena Andrade, Maria Afra e Wesley Souza. O Ponto de Cultura Caravana de Artesania realiza intervenções, encontros e trocas na área de artes cênicas em oito cidades mineiras. Esta iniciativa é promovida pelo Teatro Terceira Margem, Ministério da Cultura e Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais.

Apoios locais: Prefeitura Municipal de Montes Claros, Fundação Cultural Genival Tourinho e TV Geraes.


Informações:(31)9997-6912 (agenda)






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