segunda-feira, 27 de setembro de 2010

UM POUCO SOBRE A ESCRAVIDÃO NO BRASIL

A História da Escravidão Negra no Brasil
A escravidão pode ser definida como o sistema de trabalho no qual o indivíduo (o escravo) é propriedade de outro, podendo ser vendido, doado, emprestado, alugado, hipotecado, confiscado. Legalmente, o escravo não tem direitos: não pode possuir ou doar bens e nem iniciar processos judiciais, mas pode ser castigado e punido. Não existem registros precisos dos primeiros escravos negros que chegaram ao Brasil. A tese mais aceita é a de que em 1538, Jorge Lopes Bixorda, arrendatário de pau-brasil, teria traficado para a Bahia os primeiros escravos africanos. Eles eram capturados nas terras onde viviam na África e trazidos à força para a América, em grandes navios, em condições miseráveis e desumanas. Muitos morriam durante a viagem através do oceano Atlântico, vítimas de doenças, de maus tratos e da fome. Os escravos que sobreviviam à travessia, ao chegar ao Brasil, eram logo separados do seu grupo lingüístico e cultural africano e misturados com outros de tribos diversas para que não pudessem se comunicar. Seu papel de agora em diante seria servir de mão-de-obra para seus senhores, fazendo tudo o que lhes ordenassem, sob pena de castigos violentos. Além de terem sido trazidos de sua terra natal, de não terem nenhum direito, os escravos tinham que conviver com a violência e a humilhação em seu dia-a-dia. A minoria branca, a classe dominante socialmente, justificava essa condição através de idéias religiosas e racistas que afirmavam a sua superioridade e os seus privilégios. As diferenças étnicas funcionavam como barreiras sociais.O escravo tornou-se a mão-de-obra fundamental nas plantações de cana-de-açúcar, de tabaco e de algodão, nos engenhos, e mais tarde, nas vilas e cidades, nas minas e nas fazendas de gado.Além de mão-de-obra, o escravo representava riqueza: era uma mercadoria, que, em caso de necessidade, podia ser vendida, alugada, doada e leiloada. O escravo era visto na sociedade colonial também como símbolo do poder e do prestígio dos senhores, cuja importância social era avalizada pelo número de escravos que possuíam. A escravidão negra foi implantada durante o século XVII e se intensificou entre os anos de 1700 e 1822, sobretudo pelo grande crescimento do tráfico negreiro. O comércio de escravos entre a África e o Brasil tornou-se um negócio muito lucrativo. O apogeu do afluxo de escravos negros pode ser situado entre 1701 e 1810, quando 1.891.400 africanos foram desembarcados nos portos coloniais.Nem mesmo com a independência política do Brasil, em 1822, e com a adoção das idéias liberais pelas classes dominantes o tráfico de escravos e a escravidão foram abalados. Neste momento, os senhores só pensavam em se libertar do domínio português que os impedia de expandir livremente seus negócios. Ainda era interessante para eles preservar as estruturas sociais, políticas e econômicas vigentes. Ainda foram necessárias algumas décadas para que fossem tomadas medidas para reverter a situação dos escravos. Aliás, este será o assunto do próximo item. Por ora, vale lembrar que não eram todos os escravos que se submetiam passivamente à condição que lhe foi imposta. As fugas, as resistências e as revoltas sempre estiveram presentes durante o longo período da escravidão. Existiram centenas de "quilombos" dos mais variados tipos, tamanhos e durações. Os "quilombos" eram criados por escravos negros fugidos que procuraram reconstruir neles as tradicionais formas de associação política, social, cultural e de parentesco existentes na África. O "quilombo" mais famoso pela sua duração e resistência, foi o de Palmares, estabelecido no interior do atual estado de Alagoas, na Serra da Barriga, sítio arqueológico tombado recentemente. Este "quilombo" se organizou em diferentes aldeias interligadas, sendo constituído por vários milhares de habitantes e possuindo forte organização político-militar.Como era tratado o escravo.Antes de romper o sol, os negros eram despertados através das badaladas de um sino e formados em fila no terreiro para serem contados pelo feitor e seus ajudantes, que após a contagem rezavam uma oração que era repetida por todos os negros.Após ingerirem um gole de cachaça e uma xícara de café como alimentação da manhã, os negros eram encaminhados pelo feitor para os penosos labor nas roças, e as oito horas da manhã o almoço era trazido por um dos camaradas do sitio em um grande balaio que continha a panela de feijão que era cozido com gordura e misturado com farinha de mandioca, o angu esparramado em largas folhas de bananeiras, abóbora moranga, couve rasgada e raramente um pedaço de carne de porco fresca ou salgada que era colocada no chão, onde os negros acocoravam-se para encher as suas cuias e iam comer em silêncio, após se saciarem os negros cortavam o fumo de rolo e preparavam sem pressa o seus cigarros feitos com palha de milho, e após o descanso de meia hora os negros continuavam a labuta até às duas horas quando vinha o jantar, e ao por do sol eram conduzidos de volta à fazenda onde todos eram passados em revista pelo feitor e recebiam um prato de canjica adoçada com rapadura como ceia e eram recolhidos a senzala.
E em suas jornadas diárias, os negros também sofriam os mais variados tipos de castigo (, nas cidades o principal castigo era os açoites que eram feitos publicamente nos pelourinhos que constituíam-se em colunas de pedras erguidas em praças pública e que continha na parte superior algumas pontas recurvadas de ferro onde se prendiam os infelizes escravos.E cujas condenação à pena dos açoites eram anunciados pelos rufos dos tambores para uma grande multidão que se reunia para assistir ao látego do carrasco abater-se sobre o corpo do negro escravo condenado para delírio da multidão excitada que aplaudia, enquanto o chicote abria estrias de sangue no dorso nu do negro escravo que ficava à execração pública. E um outro método de punição dado aos negros foi o castigo dos bolos que consistia em dar pancada com a palmatória nas palmas das mãos estendidas dos negros, e que provocavam violentas equimoses e ferimentos no apitélio delicado das mãos.Em algumas fazendas e engenhos, as crueldades dos senhores de engenho e feitores atingiram a extremas e incríveis métodos de castigos ao empregarem no negro o anavalhamento do corpo seguido de salmoura, marcas de ferro em brasa, mutilações, estupros de negras escravas, castração, fraturas dos dentes a marteladas e uma longa e infinita teoria de sadismo requintado. No sul do Brasil, os senhores de engenhos costumavam mandar atar os punhos dos escravos e os penduravam em uma trava horizontal com a cabeça para baixo, e sobre os corpos inteiramente nus, eles untavam de mel ou salmoura para que os negros fossem picados por insetos.E através de uma série de instrumentos de suplícios que desafiava a imaginação das consciências mais duras para a contenção do negro escravo que houvesse cometido qualquer falha, e no tronco que era um grande pedaço de madeira retangular aberta em duas metades com buracos maiores para a cabeça e menores para os pés e as mãos dos escravos, e para colocar-se o negro no tronco abriam-se as suas duas metades e se colocavam nos buracos o pescoço, os tornozelos ou os pulsos do escravo e se fechava as extremidades com um grande cadeado, o vira mundo era um instrumento de ferro de tamanho menor que o tronco, porém com o mesmo mecanismo e as mesmas finalidades de prender os pés e as mãos dos escravos, o cepo era um instrumento que consistia num grosso tronco de madeira que o escravo carregava à cabeça, preso por uma longa corrente a uma argola que trazia ao tornozelo.O libanto era um instrumento que prendia o pescoço do escravo numa argola de ferro de onde saía uma haste longa.Que poderia terminar com um chocalho em sua extremidade e que servia para dar o sinal quando o negro quando o negro andava, ou com as pontas retorcidas com a finalidade de prender-se aos galhos das árvores para dificultar a fuga do negro pelas matas, as gargalheiras eram colocadas no pescoço dos escravos e dela partiam uma corrente que prendiam os membros do negro ao corpo ou serviam para atrelar os escravos uns aos outros quando transportados dos mercados de escravos para as fazendas, e através das algemas, machos e peias os negros eram presos pelas mãos aos tornozelos o que impedia do escravo de correr ou andar depressa, com isto dificultava a fuga dos negros, e para os que furtavam e comiam cana ou rapadura escondido era utilizado a mascara, que era feita de folhas de flandes e tomava todo o rosto e possuía alguns orifícios para a respiração do negro, com isto o escravo não podia comer nem beber sem a permissão do feitor, os anjinhos eram um instrumento de suplicio que se prendiam os dedos polegares da vitima em dois anéis que eram comprimidos gradualmente para se obter à força a confissão do escravo incriminado por uma falta grave.Já no início do século XIX era possível verificar grandes transformações que pouco a pouco modificavam a situação da colônia e o mundo a sua volta. Na Europa, a Revolução Industrial introduziu a máquina na produção e mudou as relações de trabalho. Formaram-se as grandes fábricas e os pequenos artesãos passaram a ser trabalhadores assalariados. Na colônia, a vida urbana ganhou espaço com a criação de estaleiros e de manufaturas de tecidos. A imigração em massa de portugueses para o Brasil foi outro fator novo no cenário do Brasil colonial. Mesmo com todos esses avanços foi somente na metade do século que começaram a ser tomadas medidas efetivas para o fim do regime de escravidão. Vamos conhecer os fatores que contribuíram para a abolição:1850 - promulgação da Lei Eusébio de Queirós, que acabou definitivamente com o tráfico negreiro intercontinental. Com isso, caiu a oferta de escravos, já que eles não podiam mais ser trazidos da África para o Brasil.1865 - Cresciam as pressões internacionais sobre o Brasil, que era a única nação americana a manter a escravidão.1871 - Promulgação da Lei Rio Branco, mais conhecida como Lei do Ventre Livre, que estabeleceu a liberdade para os filhos de escravas nascidos depois desta data. Os senhores passaram a enfrentar o problema do progressivo envelhecimento da população escrava, que não poderia mais ser renovada.1872 - O Recenseamento Geral do Império, primeiro censo demográfico do Brasil, mostrou que os escravos, que um dia foram maioria, agora constituíam apenas 15% do total da população brasileira. O Brasil contou uma população de 9.930.478 pessoas, sendo 1.510.806 escravos e 8.419.672 homens livres.1880 - O declínio da escravidão se acentuou nos anos 80, quando aumentou o número de alforrias (documentos que concediam a liberdade aos negros), ao lado das fugas em massa e das revoltas dos escravos, desorganizando a produção nas fazendas.1885 - Assinatura da Lei Saraiva-Cotegipe ou, popularmente, a Lei dos Sexagenários, pela Princesa Isabel, tornando livres os escravos com mais de 60 anos.1885-1888 - o movimento abolicionista ganhou grande impulso nas áreas cafeeiras, nas quais se concentravam quase dois terços da população escrava do Império. 13 de maio de 1888 - assinatura da Lei Áurea, pela Princesa Isabel.No Brasil, o regime de escravidão vigorou desde os primeiros anos logo após o descobrimento até o dia 13 de maio de 1888, quando a princesa regente Isabel assinou, utilizando uma caneta de ouro e pedras preciosas, oferecida pelos abolicionistas, a Lei 3.353, mais conhecida como Lei Áurea, libertando os escravos.
A escravidão é um capítulo da História do Brasil. Embora ela tenha sido abolida há 115 anos, não pode ser apagada e suas conseqüências não podem ser ignoradas. A História nos permite conhecer o passado, compreender o presente e pode ajudar a planejar o futuro. Nós vamos contar um pouco dessa história para você. Vamos falar dos negros africanos trazidos para serem escravos no Brasil, quantos eram, como viviam, como era a sociedade da época. Mas, antes disso, confira o texto da Lei Áurea, que fez com que o dia 13 de maio entrasse para a História."Declara extinta a escravidão no Brasil. A princesa imperial regente em nome de Sua Majestade o imperador, o senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:Art. 1°: É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil.Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.Manda portanto a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.O secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e interino dos Negócios Estrangeiros, bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de sua majestade o imperador, o faça imprimir, publicar e correr.Dado no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888, 67º da Independência e do Império.Carta de lei, pela qual Vossa Alteza Imperial manda executar o decreto da Assembléia Geral, que houve por bem sancionar declarando extinta a escravidão no Brasil, como nela se declara.Para Vossa Alteza Imperial ver". Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel aboliu a escravidão no Brasil, colocando nas ruas milhares de negros que, de uma hora para outra, ficaram sem destino. Com isso agradou a abolicionistas, bateu de frente com escravocratas e para muitos historiadores começou a escrever o epílogo do reinado de seu pai, Pedro II, que cairia pouco mais de um ano mais tarde. Até hoje aplaudida por muitos pelo fim e criticada por outros pelos meios utilizados e também pelos fins, a abolição da escravidão no País ainda é um assunto que encerra muitas discussões. Não houve, como nos Estados Unidos, uma guerra civil dividindo alas contrárias ao tema, não se disparou um tiro sequer para que os escravos ficassem livres ou continuassem presos a grilhões na senzala, mas também não houve uma discussão séria e definitiva sobre o caso. Claro, haviam os fóruns de debates, principalmente nas páginas dos jornais, nas quais brilhava a verve de José do Patrocínio. Mas muitos acreditam que a atitude de Isabel foi mais emocional do que prática. Afinal, não houve preparação suficiente para o fato, ricos senhores de terra que investiram muito em seus escravos ficaram, de uma hora para outra, sem eles e os governos pós-abolição não souberam utilizar o ato da princesa a favor de melhorias sociais.
Problemas da elite

Afinal, a escravidão dominou todos os aspectos da vida brasileira durante o século XIX. O final dessa instituição parecia ter aberto novas portas para uma sociedade mais justa e menos dividida. Mas a libertação dos escravos não podia deixar de ter conseqüências importantes e profundas para as finanças, tanto públicas quanto particulares. "Infelizmente, a irresponsabilidade financeira dos governos após a abolição transformou essa grande oportunidade para a reforma social em um desastre econômico. Esses políticos provocaram inflação, afugentaram investidores nacionais e estrangeiros e arrebentaram a onda de otimismo que se seguiu à emancipação", explica Schulz. "Em um sentido mais amplo, os ajustes necessários à introdução do trabalho livre resultaram numa crise que durou quase três décadas", diz o historiador.Segundo ele, a crise financeira da abolição começou gradativamente. Vários anos poderiam, de acordo com Schulz, servir para o começo desse estudo: 1871, quando a Lei do Ventre Livre determinou que nenhum escravo nasceria no Brasil, ou 1880, quando começou a campanha abolicionista. "Ou, ainda, 1884, quando o Banco do Brasil parou de conceder hipotecas garantidas por escravos", diz o autor, que escolhe o ano de 1875 como o primeiro a detonar o processo de crise financeira, quando o Brasil sofreu sua última crise como país escravagista. Essa tal crise, explica Schulz, teve como causa externa o início da "grande depressão" mundial do século XIX, e como causa interna a suspensão do Banco Mauá, o que levou muitos brasileiros à bancarrota, criando um sério problema para as elites, que a abolição só veio agravar."A crise financeira da abolição pode ser dividida em três partes: um mal-estar pré-abolição, uma 'bolha' chamada Encilhamento e um período de tentativas frustradas de estabilização que sucederam ao colapso da bolha", diz Schulz, elencando outros problemas que advieram à abolição. "O ministério que realizou a abolição entendeu que seria necessário tomar providências financeiras para satisfazer aos fazendeiros e acabou sendo um dos gabinetes mais atuantes do século. A magnitude da mudança, porém, aos olhos dos fazendeiros, merecia medidas ainda mais enérgicas. Os três governos, um monarquista e dois republicanos, que se seguiram ao gabinete abolicionista, triplicaram a moeda em circulação, estimularam a especulação na bolsa de valores e tentaram de todas as maneiras conseguir o apoio dos grandes fazendeiros", conta o historiador. "Essas ações irresponsáveis criaram uma bolha especulativa chamada de Encilhamento. Embora o estouro dessa bolha tenha sido bastante dramático, a crise continuou por uma década após o Encilhamento." Ou seja: o que poderia e deveria ser uma alavancada para o progresso do País a partir da extirpação de um mal - a escravidão - acabou se tornando um mal maior ainda, devido à incompetência dos administradores do governo brasileiro. Qualquer economista recém-formado sabe que multiplicar o número da moeda circulante, apoiar a especulação na bolsa e não conter os gastos resultam em uma palavra que mais se assemelha a um dragão voraz: inflação.A crise econômica que se seguiu à abolição, então, é muito bem trabalhada por Schulz em seu estudo, mostrando desde o problema do sistema financeiro internacional e a crise com os cafeicultores até as tentativas de estabilização da economia e a crescente inflação. Para ilustrar todas suas idéias e explicações, o autor ainda elenca uma série de tabelas, apresentando os gastos governamentais, a capitalização da Bolsa do Rio e o serviço da dívida brasileira. Para quem tem curiosidade sobre o assunto e deseja se aprofundar nesse tema que até hoje gera polêmica, o trabalho de Schulz publicado pela Edusp é um belo instrumento de apoio ao estudo. Talvez, inclusive, explique muita coisa que aconteceu até um passado muito recente e que está, de uma forma ou outra, apenas adormecida. A longa permanência do negro no Brasil acabou por abrasileirá-lo.De um lado, o africano se tornou ladino e tornou seus filhos crioulos e mestiços de várias espécies: mulato, pardo, cabra, caboclo. A crioulização e a mestiçagem são temas inevitáveis da história do negro no Brasil.De outro lado, raros são os aspectos de nossa cultura que não trazem a marca da cultura africana. O assunto já foi muito tratado por historiadores e antropólogos, que estudaram dos negros, a família, a língua, a religião, a música, a dança, a culinária e a arte popular em geral.Epopéia do negro no Brasil1454: A bula Papal editada por Nicolau V dá aos portugueses a exclusividade para aprisionar negros para o reino e lá batizá-los.1549: Tomé de Souza desembarca no Bahia. Com ele vieram provavelmente os primeiros escravos brasileiros.1630: Data provável da formação do Quilombo dos Palmares. Palmares ocupou a maior área territorial de resistência política à escravidão. Ela foi uma das maiores lutas de resistência popular nas Américas.1693: Morre a rainha Nznja, tuerreira, aujoiava1695: Morte de Zumbi dos Palmares. Zumbi dirigiu Palmares num dos seus momentos mais dramáticos. As forças chefiadas pelo bandeirante Domingos Jorge velho destruíram o Quilombo e, depois, assassinaram Zumbi.1741: Alvará determina que os escravos fugitivos serão marcados com ferro quente com a letra "F" carimbada nas espáduas.1835: Levante de negros urbanos de Salvador. Segundo historiadores, a Revolta dos Malês foi a mais importante revolta urbana de negros brasileiros, pelo número de revoltosos, grau de organização e objetivos militares. Elas se inscrevem entre as grandes revoltas assistidas pela cidade no século 19: 1807, 1809, 1813, 1826, 1828,1830 e 1844.1830: É enforcado o Oulomboja Manuel Gonga em Vassouras - RJ.1833: ë fundado o Jornal "O Homem de cor" por Paula Brito, é o primeiro jornal brasileiro a lutar pelos direitos do negro.1838: O governo do Sergipe proíbe que portadores de moléstias contagiosas e africanos, escravos ou não freqüentem escolas públicas.1850: É editada a Lei Euzébio de Queiroz. Ela põe fim ao tráfico de escravos.. Nesse mesmo ano, é editada a lei da terra. A partir dessa lei era proibido ocupar terras no Brasil. Para possuir terra era necessário comprá-la do governo.1854: Decreto proíbe o negro de aprender a ler e escrever.1866: O império determina que os negros que serviam no exercito seriam alforriados.1869: Proibidas a venda de escravos debaixo de pregão e com exposição pública. A lei proíbe a venda de casais separados e de pais e filhos.1871: É editada a lei do ventre livre. Com ela os filhos de escravos seriam libertos, depois de completarem a maioridade.1882: Morre o abolicionista Luiz Gama. Sua mãe, Luiza Mahin foi um das principais lideranças na Revolta dos Malês, em Salvador.
1883: Primeira libertação coletiva de escravos negros no Brasil.1884: Abolição da escravatura negra na província do Amazonas.1885: É editada a Lei do Sexagenário. A lei Saraiva-Cotegipe liberta os escravos com mais de 65 anos de idade. Segundo dados, a vida útil de um escravo era 15 anos, em média.1886: O governo proíbe o açoite dos castigos aos escravos.1888: Promulgada a Lei Áurea. ela extingue a escravidão no Brasil. O país é o último a abolir a escravidão do ocidente.1890: Decreto sobre a imigração veta o ingresso no país de africanos e asiáticos. O ingresso de imigrantes europeus era liberada pelo governo.1910: João Cândido, o Almirante negro, lidera a revolta da esquadra (Revolta das Chibatas) contra os castigos físicos praticados contra os marinheiros.1914: Surge em Campinas a 1° organização sindical de negros. Dela participaram de forma expressiva e determinante as mulheres negras.1915: Surge o Manelick, o primeiro jornal de negros da capital paulista.1916: É criado o Centro Cívico Palmares, em São Paulo.1929: Surge o jornal Quilombo, na cidade do Rio de Janeiro.1931: Nasce a Frente Negra Brasileira (FNB) que chegou a reunir mais de 100 mil em diversos Estados do país. A organização pleiteava sua transformação em partido político. No ano de 1937, com a instalação do Estado Novo, a FNB é colocada na ilegalidade.1932: É formado em São Paulo, o Clube do Negro de Cultura Social. Seus dirigentes editavam o jornal O Clarim da Alvorada, um dos mais importantes na história do periodismo racial.1935: Surge, no Rio de Janeiro, O Movimento Brasileiro Contra o Preconceito Racial.1936: Laudelina de Campos Mello funda na cidade de Santos a primeira Associação de Empregadas Domesticas no Brasil1938:É organizada em São Paulo a União Nacional dos Homens de Cor1944: Abdias Nascimento funda no Rio de Janeiro o Teatro Experimental do Negro.1945: Renasce o Movimento Negro no país. Surge em São Paulo a Associação do Negro Brasileiro, fundada por ex- militantes da FNB. No Rio de Janeiro é organizado o Comitê Democrático Afro-Brasileiro com o objetivo de defender a constituinte, a anistia e o fim do preconceito racial e de cor. realiza-se a primeira Convenção Negro Brasileira com representantes do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e São Paulo, em São Paulo.1948: Surgem as entidades, Frente Negra Trabalhista e Cruzada Social do Negro Brasileiro ( São Paulo); Turma Auriverde e Grêmio Literário Cruz e Souza (Minas Gerais) e União Cultural dos Homens de Cor (Rio de Janeiro).1949: Realiza-se no Rio de Janeiro o Conselho Nacional de Mulheres Negras.1950: No Rio é aprovada a Lei Afonso Arinos, que condena como contravenção penal a discriminação de raça, cor e religião, também é criado o conselho nacional de mulheres negras.1954: É fundada em São Paulo a Associação Cultural do Negro.1969: O governo do general Emílio G. Médici proíbe a publicação de noticias sobre movimento negro e a discriminação racial.1971: Surge em Porto Alegre o Grupo Palmares.1974: Morre o poeta Solano "Vento Forte Africano" Trindade. É fundado em Salvador o bloco afro Ilé - Aiê.1975: No Congresso das Mulheres Brasileiras, realizado no Rio de Janeiro, mulheres negras denunciam as discriminações racial e sexual a que estão submetidas. Realiza-se em São Paulo a Semana do Negro na Arte e na Cultura. O movimento articula apoio às lutas de libertação nacional travadas no continente africano. Surgem várias entidades de combate ao racismo. Em São Paulo surgem o Centro de Estudos da Cultura e da Arte Negra (Cecan), a Associação cristã Beneficente, Movimento Teatral Cultural Negro, Grupo de Teatro Evolução, Associação Cultural e Recreativa Brasil Jovem, Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas (IBEA), Federação das Entidades Afro-brasileiras do Estado de São Paulo. No Rio de Janeiro surgem Grupo Latino- Americano, Instituto de Pesquisas da Cultura Negra (IPCN), Escola de Samba Gran Quilombo, Sociedade de Intercâmbio Brasil-África.1976: O governo da Bahia suprime a exigência de registro policial para os templos de ritos afro-brasileiros.1977: É assassinado Robson S. Luz. Quatro jovens atletas são discriminados no Clube Regatas Tietê. Nos rastros dessas denuncias surge o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial, mais tarde, Movimento Negro Unificado (MNU). Na assembléia nacional do MNU é aprovada a comemoração do Dia Nacional de Consciência Negra, em 20 de novembro em celebração a memória do herói negro Zumbi dos Palmares. Surge o Movimento de Mulheres Negras.1978:Consolidação do MNU Movimento Negro Unificado - São Paulo, É declarado pelo MNU o dia 20 de novembro o dia da consciência negra.1979: O quesito cor é incluído no recenseamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) por pressão de sociólogos e pesquisadores e segmentos da sociedade.1982:Morre em Salvador Mestre Pastinha, é também tombado o primeiro terreiro de candomblé do Brasil; o terreiro da Casa Branca ile axê, ia nasso oka Bahia 1986: Tombamento da serra da Barrija local onde se desenvolveu o quilombo dos palmares, a gaúcha Deise Nunes de Souza é coroada Miss Brasil é a primeira Miss Brasil negra. 1987: Fundado o instituto do negro em São Paulo. 1989: Nasce no mês de novembro o jornal Umbandomblé que passou a ser Umbanda & Candomblé, Ciência, Cultura e Magia e hoje conhecido por U&C, Ciência, Cultura e Magia. 1990: É inaugurado no município de Volta redonda - RJ o memorial zumbi dos palmares.

O MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL

Pesquisando o movimento negro no Brasil
Influenciada pela luta anti-racismo na África e nos Estados Unidos, a militância brasileira cresceu nos anos 1970 e hoje colhe grandes conquistas

Verena Alberti e Amilcar Araujo Pereira
O Serviço Nacional de Informações (SNI), criado em 13 de junho de 1964 com a finalidade de coordenar as atividades de informação e contra-informação em todo o país, produziu inúmeros relatórios sobre assuntos julgados pertinentes à Segurança Nacional durante o regime militar. Num deles, de 14 de julho de 1978, podemos encontrar um relato sobre a manifestação, nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, daquilo que se tornaria mais adiante o Movimento Negro Unificado (MNU), uma das entidades do movimento negro surgidas no Brasil na década de 1970.
Realizou-se em São Paulo, no dia 7 julho de 1978, na área fronteiriça ao Teatro Municipal, junto ao Viaduto do Chá, uma concentração organizada pelo autodenominado “Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial”, integrado por vários grupos, cujos objetivos principais anunciados são: denunciar, permanentemente, todo tipo de racismo e organizar a comunidade negra. Embora não seja, ainda, um “movimento de massa”, os dados disponíveis caracterizam a existência de uma campanha para estimular antagonismos raciais no País e que, paralelamente, revela tendências ideológicas de esquerda. Convém assinalar que a presença no Brasil de Abdias do Nascimento, professor em Nova Iorque, conhecido racista negro, ligado aos movimentos de libertação na África, contribuiu, por certo, para a instalação do já citado “Movimento Unificado”.
Esse documento, que se encontra no Arquivo Ernesto Geisel, depositado no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas, não é o único produzido pelos órgãos de informação da época sobre a atividade de militantes e organizações do movimento negro. Mas ele nos ajuda a situar a atuação desse movimento social na História do Brasil, mais especificamente no contexto da abertura política, iniciada em 1974. Desde o início da década de 1970, é possível registrar a formação de entidades que, como diz o relatório do SNI, buscavam denunciar o racismo e organizar a comunidade negra. Por exemplo, o Grupo Palmares, criado em Porto Alegre em 1971; o Centro de Estudos e Arte Negra (Cecan), aberto em São Paulo em 1972; a Sociedade de Intercâmbio Brasil-África (Sinba), inaugurada no Rio de Janeiro em 1974, e o Bloco Afro Ilê Aiyê, fundado em Salvador também em 1974. Militantes de algumas dessas e de outras entidades articularam-se em 1978 para a realização do ato público ao qual o documento do SNI se refere. Sua motivação teve origem no assassinato do jovem negro Robson Silveira da Luz, no distrito policial de Guaianazes, para onde tinha sido levado preso, acusado de roubar frutas numa feira, e na discriminação sofrida por quatro meninos negros impedidos de treinar vôlei no time infantil do Clube de Regatas Tietê.
A manifestação contou com a presença de Abdias do Nascimento, militante de longa data, que em 1968 havia se exilado nos Estados Unidos, onde foi professor em várias universidades. O fato de ser apontado como “conhecido racista negro” pelo relatório do SNI é um dado interessante e pode ser explicado pela forte atuação do movimento negro, naquela época, no sentido da denúncia do chamado “mito da democracia racial”, isto é, da idéia de que não haveria racismo no Brasil. Como Abdias do Nascimento, de acordo com o SNI, denunciava um racismo “inexistente”, ele mesmo seria racista. Outro documento, de janeiro do mesmo ano de 1978, advertia: “Esses movimentos, caso continuem a crescer e se radicalizar, poderão vir a originar conflitos raciais”.
As organizações formadas na década de 1970 não foram as primeiras na história do país. Logo depois da abolição, no final do século XIX, já circulavam jornais voltados para as populações negras, como o Treze de Maio, do Rio de Janeiro (1888), e O Exemplo, de Porto Alegre (1892). Em São Paulo, a chamada “imprensa negra paulista” denunciava, nos anos 1920, a discriminação racial. Dela surgiram alguns dos fundadores da Frente Negra Brasileira, em 1931, que chegou a se transformar em partido político em 1936, mas logo foi extinta, como os demais partidos, pelo Estado Novo no ano seguinte. Na década de 1940 foram fundadas várias entidades, como a União dos Homens de Cor e o Teatro Experimental do Negro.
Muitos dos documentos desse período mostram que não era rara a circulação de referenciais e informações de fora do Brasil, principalmente da África e dos Estados Unidos. O jornal O Clarim d’Alvorada, publicado de 1924 a 1932 em São Paulo, abrigava uma seção intitulada “O mundo negro”, na qual eram publicadas traduções de artigos do jamaicano Marcus Garvey (1887-1940), defensor do pan-africanismo. O jornal Quilombo, fundado por Abdias do Nascimento em 1948, reproduzia com freqüência artigos da revista Présence Africaine, publicada em Paris e Dacar a partir de 1947, sob a direção do senegalês Alioune Diop. Nos anos 1960, esse intercâmbio se intensificou diante das lutas de libertação das colônias africanas e da mobilização pelos direitos civis nos Estados Unidos. Como se viu no documento reproduzido acima, Abdias do Nascimento oferecia perigo, segundo os investigadores do SNI, porque estava “ligado aos movimentos de libertação na África”.
As idéias que circulavam entre os militantes nos anos 1970 e 1980 e suas formas de ação – como o ato público realizado em São Paulo em 1978 – foram objeto da pesquisa “História do movimento negro no Brasil: constituição de acervo de entrevistas de história oral”, que desenvolvemos no CPDOC entre 2003 e 2007. A metodologia da história oral, que consiste na realização de entrevistas gravadas com testemunhos do passado, permite o registro de narrativas de experiência pessoal e o conhecimento de formas de articulação e de visões de mundo de pessoas e grupos.
Essas entrevistas nos permitiram perceber que, além dos poetas de língua francesa, que continuaram a ser lidos e discutidos, e da luta contra o apartheid, regime de segregação racial que vigorou na África do Sul entre 1948 e 1992, outro assunto que mobilizava as atenções era a independência dos países africanos de colonização portuguesa – Guiné-Bissau, Angola, Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe , ocorrida entre 1974 e 1975, poucos anos antes do ato público nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo. É recorrente, por exemplo, a menção aos Poemas de Angola, de Agostinho Neto, fundador do Movimento Popular de Libertação de Angola e primeiro presidente do país, em 1975.
Muitas vezes, essas leituras são lembradas como cruciais para a conscientização do entrevistado e para sua opção pela militância. A descoberta de si mesmo como negro se mesclava a uma tomada de posição política, levando a atitudes que, nos dias de hoje, já não têm o mesmo peso. O simples ato de comprar uma revista, por exemplo, era decisivo. Foi o que nos contou Carlos Alberto Medeiros, militante do movimento negro no Rio de Janeiro desde a década de 1970:
Eu trabalhava no Jornal do Brasil, que era na Avenida Rio Branco 110. Eu passava lá e via revistas estrangeiras nas bancas de jornal. E havia uma revista da qual eu já ouvira falar no Rio Grande do Sul, a revista Ebony. Eu passava, via a revista, tinha até alguma curiosidade. Mas até para comprar a revista a primeira vez eu tive que romper com alguma coisa. Porque comprar uma revista de negros tinha um significado de identificação. Eu já tinha um domínio do inglês que dava para ler. Até que um dia eu comprei. E era final da segunda metade de 1969, na época em que estava aquela coisa do black is beautiful, do cabelo afro. E aquilo foi quase um amor à primeira vista. Bati o olho e falei: “É isso que falta.”
Publicações do gênero influenciavam a formação e a disseminação de uma consciência da negritude. Magno Cruz, importante referência do movimento no Maranhão desde o início dos anos 1980, relata como foi atingido por essa estratégia inicial. Em 1979, ele chegou a assinar a ata de criação do Centro de Cultura Negra (CCN) local, a convite de sua fundadora, Mundinha Araújo. Mas levou certo tempo até atuar como militante:
Eu sou fundador fictício, porque não fui fundador orgânico que estava lá no início, nas primeiras reuniões. Qual era a minha resistência em me engajar no trabalho do CCN? Eu não me considerava negro. Inclusive o meu apelido na faculdade era Moreno. E eu era crente que eu era moreno. Pensava: como ia participar de uma entidade do movimento negro se eu não me considerava negro? Mas, com os seminários e com as palestras, que houve muito, eu fui mudando. A Mundinha deu o encaminhamento que eu acho que foi o melhor possível, porque foi de formação. As primeiras reuniões eram reuniões de estudo. Era uma sala, talvez um pouquinho maior do que essa aqui; quando iam mais de 30 pessoas, tinha que ficar gente do lado de fora. E era texto para a gente ler, jornal para a gente ler, para discutir, livros… Ninguém sabia nada sobre a história do negro. E aí, com esses cursos, esses seminários de que eu fui participando, eu fui percebendo que era negro.
A essa estratégia de mobilização somavam-se várias outras, como a adoção do penteado afro, a produção de audiovisuais, jornais e panfletos, a difusão de informações em feiras e locais públicos, a montagem de peças de teatro e a organização de grupos de dança e de blocos afro. Encontros estaduais e regionais estimulavam o crescimento do movimento negro. Em agosto de 1980, ocorreu o I Encontro Memorial Zumbi, em Alagoas, com a presença de líderes nacionais, como Abdias do Nascimento e a antropóloga Lélia Gonzalez (1935-1994). O evento impulsionou a realização dos Encontros de Negros do Norte e Nordeste, iniciados no ano seguinte. A partir de meados da década de 1980, registram-se outros encontros em diferentes estados, além dos Encontros de Negros do Sul-Sudeste e dos Encontros Estaduais e Nacionais de Mulheres Negras. O I Encontro Nacional de Comunidades Negras Quilombolas, realizado em 1995,deu origem à Comissão Nacional de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas,criada em 1996.
A metodologia da história oral permite conhecer não só como essas iniciativas ocorreram na prática, mas também de que modo, a partir delas, as reivindicações do movimento negro acabaram sendo trazidas pelos militantes para a esfera pública. Trata-se, pois, de uma ferramenta importante para o estudo da história política. Hoje existem diversas secretarias voltadas para a promoção da igualdade racial, no governo federal e em governos estaduais e municipais, e novos artigos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDB de 1996, que tornam obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas do país e incluem o dia 20 de novembro no calendário escolar como “Dia Nacional da Consciência Negra”.Aliás, o primeiro ato evocativo de celebração do 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, foi realizado pelo Grupo Palmares, de Porto Alegre, em 1971. Passados sete anos, a segunda assembléia nacional do MNU, realizada em Salvador em novembro de 1978, declarou a data o “Dia Nacional da Consciência Negra”, que hoje é feriado em mais de duzentos municípios do país. Este é um exemplo bastante evidente do trabalho de disputa pela memória nacional, que culminou com a inscrição do nome de Zumbi no livro dos heróis da pátria, em 20 de novembro de 1996.
Outra possibilidade aberta pela realização de pesquisas de história oral é o acesso a experiências e interpretações do passado que não são necessariamente aquelas consagradas por uma “história nacional”. Esse pluralismo é facilmente compreendido quando percebemos que as entrevistas nos apresentam novas periodizações. Do ponto de vista de nossos entrevistados, a repercussão nacional do ato público nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, em 1978, possibilitou a criação de muitas organizações em diferentes estados do país e acabou sendo responsável pela difusão da noção de “movimento negro” como designação genérica para as diversas entidades e ações a partir daquele momento.
O marco seguinte foi o ano de 1988, por duas razões: comemorava-se o centenário da Abolição, o que motivou uma série de ações de protesto que denunciavam as condições de vida dos negros no país, e elaborava-se uma nova Constituição. Duas importantes reivindicações do movimento viraram texto constitucional – a criminalização do racismo (Artigo 5) e o reconhecimento da propriedade das terras de remanescentes de quilombos (Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Os anos de 1995 e 2001 são os dois momentos seguintes. Em 1995 foi realizada em Brasília uma marcha em homenagem aos trezentos anos da morte de Zumbi dos Palmares. Era o primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso, que criou então um Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra, dando a partida nas primeiras iniciativas de ação afirmativa na administração pública federal. E 2001 foi o ano da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, realizada na cidade de Durban, na África do Sul, que mobilizou o governo e as entidades do movimento negro em sua preparação e resultou em novos acontecimentos, como a reserva de vagas para negros em algumas universidades do país e novos compromissos assumidos pelo Estado em âmbito internacional.
O estudo da História se enriquece quando conhecemos novas periodizações, atuações e experiências, mas isso não significa que podemos esquecer os marcos nacionais. A história do movimento negro no Brasil não deve ser entendida como “descolada” da história contemporânea, tanto do Brasil como do mundo. Os marcos aqui registrados fazem sentido para o movimento negro e também para a história nacional, pois se relacionam com conjunturas como a abertura política, o centenário da Abolição, a Constituinte e o governo Fernando Henrique Cardoso, entre outros. Eles tiram sentido desses contextos e emprestam-lhes novos sentidos. Esta é a riqueza da história oral.
E convém não esquecer que, no próprio universo pesquisado, as trajetórias e opiniões nunca são unânimes. Em nossa pesquisa, ouvimos pessoas de diferentes regiões e muitas vezes de posições divergentes, o que permite perceber a pluralidade de experiências e avaliações entre os próprios militantes. Mas não há dúvida de que todos tiveram por objetivo o combate ao racismo e a luta pela melhoria das condições de vida das populações negras.
Verena Alberti é pesquisadora do Programa de História Oral do CPDOC da Fundação Getulio Vargas e professora de História da Escola Alemã Corcovado, no Rio de Janeiro.
Amilcar Araujo Pereira é doutorando em História na Universidade Federal Fluminense (UFF) e bolsista do CNPq. Ambos são organizadores do livro Histórias do movimento negro no Brasil (Rio de Janeiro: Pallas, 2007).


Saiba Mais – Livros:
HANCHARD, Michael. Orfeu e o poder: o movimento negro no Rio de Janeiro e em São Paulo (1945-1988). Rio de Janeiro: EdUerj, 2001.
LEITE, José Correia. …E disse o velho militante José Correia Leite: depoimentos e artigos. Organização e textos: Cuti (Luiz Silva). São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992.
PEREIRA, Amauri Mendes. Trajetória e perspectivas do movimento negro brasileiro. Rio de Janeiro: Comissão de Combate às Discriminações e Preconceitos de Raça, Cor, Etnia, Religião e Procedência Nacional da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, 2005.
SANTOS, Joel Rufino dos. “A luta organizada contra o racismo”. In: Barbosa, Wilson do Nascimento (org).

Atrás do muro da noite; dinâmica das culturas afro-brasileiras.

Brasília: Ministério da Cultura, Fundação Cultural Palmares, 1994.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A Raiz Africana e a Recriação Afro-Brasileira

I. A Raiz Africana e a Recriação Afro-Brasileira

José Maria Nunes Pereira
Embora nascida a partir de uma funda raiz africana, a arte afro-brasileira teve um longo percurso de séculos que lhe possibilitou, não só uma visível autonomia, como uma criatividade própria. Ela percorreu uma trajetória de trocas, sobretudo com os europeus, no seio de um mundo escravocrata e católico que lhe acarretou perdas e ganhos, continuidade e mudança, sem contudo ter havido uma ruptura.
Essa arte permaneceu realimentada pela seiva africana que lhe inspira uma visão de mundo herdada do continente negro, mas sujeita a uma dinâmica proveniente da evolução da sociedade brasileira. Participou de tal modo na construção e desenvolvimento dessa sociedade que, pioneiramente, Gilberto Freyre considerou o negro como “um co-colonizador, apesar da sua condição de escravo”. Após a Abolição ele continuou sofrendo uma enredada, mas pertinaz discriminação racial.

1. A arte africana tradicional

A arte africana, presente nas sociedades predominantemente rurais, não tem o propósito de ser uma reprodução literal da realidade ou um objeto de pura contemplação, embora o seja também de deleite espiritual e estético.A sua função primordial é a de produzir valores emocionais para as comunidades às quais pertence e que possuem um saber cultural já estabelecido. Por via disso, as pessoas dessas comunidades têm uma capacidade de compreendê-la que antecede qualquer reflexão. São apreciadas não pelo que apresentam, mas sim pelo que representam.
A também chamada “arte negra” acompanha a vida da comunidade, é instrumento da sua relação com o espiritual, participando dos ritos e rituais da vida doméstica desde o nascimento, os ritos de passagem, passando pela morte e continuando na perene ligação com a ancestralidade.
Essa arte africana não tem compromisso com o retrato da realidade. Ela se apresenta sem a simetria e a proporção que poderíamos esperar. Quase sempre a cabeça é demasiado grande, pois ela representa a personalidade, o saber, sobretudo quando é a de um “Mais Velho” da comunidade; a língua, por vezes ultrapassa a cavidade da boca: ela expressa a fala, que é a chave da tradição oral; a barriga e os seios femininos representam a fertilidade; os pés, normalmente grandes, são bem fixados na terra.
Tais representações são expressões culturais, sujeitas a diversidades étnicas, mas todas provenientes do sopro do Criador, que emite uma força vital (axé, no Brasil dos orixás, vindos do oeste nigeriano e leste do Benim). Essa força vital circula por todos os reinos do universo: o humano e o animal, o vegetal e até o mineral, e é passível de ser manipulada, e assim transferida entre todos os seres, através da intervenção dos ancestrais, tendo como intermediários-intérpretes os sacerdotes.
Essa arte africana, de base rural-comunitária, que feria os cânones europeus até quase o final do século XIX, atraiu, com o seu “expressionismo”, pintores como Picasso e Braque, quando eles enveredaram pelo cubismo. Entretanto, por essa mesma época, os europeus também reagiram com espanto a um outro tipo de arte africana: foram trazidos para a Europa, após a conquista colonial, os “bronzes de Benim”. O crítico alemão F. von Luncham escreveu, em 1901: “Estes trabalhos de Benim (elaborados com a secular técnica da ‘cera perdida’) estão no patamar mais elevado da técnica de fundição da Europa. Cellini, e ninguém antes nem depois dele, poderia tê-los fundido melhor”. Essas cabeças e estátuas em bronze eram já assim produzidas pelos iorubás desde o século XVI, conforme testemunharam os portugueses quando ali aportaram no tempo das navegações.
Não é propósito deste texto tratar da arte africana contemporânea, produzida sobretudo no período pós-colonial. Esta, seja figurativa ou abstrata, carrega a tradição mas tem propósitos semelhantes ao de qualquer arte contemporânea de caráter internacional.
Entretanto, artistas e artesãos continuam produzindo a arte tradicional, quer para uso comunitário, quer para deleite dos turistas. Parte dela, de qualidade bem menor, é chamada de “arte de aeroporto”.

2. A recriação afro-brasileira

Analisando a fraca presença do negro brasileiro nas artes visuais contemporâneas, em flagrante contraste com o período do barroco, quando eram dominantes, Clarival do Prado Valadares, num texto de 1988, menciona que essa presença passou a traduzir-se, quase que exclusivamente no que se convencionou chamar de “arte primitiva”. E explicava que essa arte, aceitavelmente dócil, era o que se esperava do negro. Enfim, uma arte adequada ao lugar que era permitido ao negro na sociedade brasileira.
Compreende-se melhor isso ao consultar uma publicação do Ministério das Relações Exteriores, em 1966, intitulada Quem é Quem nas Artes e Letras do Brasil. Nela estão listadas 298 fichas biográficas de artistas brasileiros. Dessa lista, somente 16 eram negros. O mesmo Itamaraty, numa edição, em francês, do seu Anuário de 1966 (p. 227) assinala que, no que respeita à cor: “a maioria da população brasileira é constituída de brancos; a percentagem de mestiços é fraca”.
Hoje, não só desapareceu dos Anuários do Itamaraty essa “distração” étnica quanto progrediu a participação dos negros nas artes nacionais. No entanto, em tempo algum os negros constituíram uma elite nas nossas artes como aconteceu na época do barroco.

II. O Barroco Afro-Brasileiro

O barroco brasileiro, com epicentro em Minas Gerais, mas com núcleos importantes em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, beneficiou-se economicamente do Ciclo do Ouro das décadas de 1729 a 1750. Além de terra das pedras preciosas, Minas Gerais era o maior centro mundial de produção do ouro na primeira metade do século XVIII. Apesar das restrições da Metrópole, preocupada quase que exclusivamente com a arrecadação do metal para cunhagem de moedas, Vila Rica, atual Ouro Preto, era uma das mais faustosas cidades do mundo dessa época. No entanto, o auge do barroco só viria a ocorrer um pouco depois, na segunda metade do século XVIII.
Sua inspiração é européia, sobretudo italiana e francesa (estilo rococó). O barroco foi uma tentativa de resposta ideológica e artística da Contra-Reforma, à expansão das doutrinas ditas protestantes da Reforma e também à herança humanista da Renascença. Isso ajuda a explicar a extrema religiosidade do barroco; ele pretendia o triunfo da sensibilidade teatral sobre o intelectual.
Foi do período barroco que resultaram os mais belos monumentos religiosos do Brasil, no dizer de Fernando Azevedo, que acrescenta ter sido o setecentos o “século do Aleijadinho”.
Este foi o gênio que deu aos “centros urbanos de Minas Gerais algumas das igrejas rococó mais belas do mundo”. É natural, portanto, que muitos críticos considerem que é com o estilo barroco que se inicia, de fato, a história das artes no Brasil.
Além do ouro e das pedras preciosas, o barroco mineiro foi beneficiado por outras circunstâncias. Uma delas relaciona-se com as associações laicas chefiadas por patronos abastados e a outra foi o enfraquecimento das ordens religiosas, provocado pela política laica e centralizadora do Marquês de Pombal, primeiro-ministro do rei D. José I, de Portugal. Essas ordens religiosas, além de exclusivistas do ponto de vista racial, não toleravam a participação de quem não provasse ter “sangue puro” (judeus, por exemplo).
Outro fator benéfico foram as Irmandades, a quem estavam ligadas as corporações de ofícios. Estas eram separadas pela cor dos seus membros: brancos, pardos (ou mulatos) e pretos, que competiam entre si. Contudo, não era uma competição muito excludente já que, com freqüência, o talento era priorizado. Dois exemplos: foi a Irmandade do Rosário dos Homens Pretos quem patrocinou a publicação, em Lisboa, do livro Testemunho Eucarístico de o Aleijadinho, assim como ele foi o escolhido pela Irmandade de São Francisco, de brancos, para fazer a planta e construir as suas duas mais belas igrejas, em Vila Rica e em São João d’El Rei.
O Aleijadinho e Mestre Valentim
Esses dois símbolos da brasilidade nasceram na mesma época, na mesma capitania de Minas Gerais e morreram com a diferença de um ano. No entanto, não há notícia de que tenham se encontrado. Ambos eram filhos de pai português e mãe escrava. O primeiro, atuou em Minas Gerais, o segundo, no Rio de Janeiro. O Aleijadinho, no terreno da arte religiosa, arquitetura e escultura. Mestre Valentim imortalizou-se no campo do urbanismo e da construção civil.
Por quê os nomes de o Aleijadinho e de Mestre Valentim são tão facilmente reconhecidos por qualquer brasileiro razoavelmente informado, mesmo que ele nunca tenha lido um livro de arte colonial? Myriam Ribeiro de Oliveira, num estudo comparativo entre essas duas figuras maiores da arte brasileira, fez essa pergunta. Segundo ela, a sobrevivência desses dois nomes na memória coletiva brasileira não se explica somente pela qualidade de suas obras, e comenta: “Há algo com raízes mais profundas na psicologia do povo brasileiro que arriscaríamos chamar de uma espécie de identidade nacional com esses dois artistas, ambos mulatos e, portanto, representantes autênticos da originalidade de uma cultura criada na periferia do mundo e que apresenta tal força e originalidade”.
Originalidade capaz de manifestar uma força expressionista, de talha geométrica, angulosa, tão próxima da África como se sente em o Aleijadinho. O mesmo se pode dizer do Mestre Valentim, com os traços negróides de suas esculturas e pinturas. Quem nos sugeriu o reconhecimento dessa africanidade presente na arte desses dois mestres – e em tantos outros artistas, menos estudados – foi o crítico George Nelson Prestan, com a sua teoria do Neoafricanisimo voltada para a evolução da arte da diáspora africana nas Américas.
Emanel Araújo lembra que Mário de Andrade chamava de racialidade brasileira essa marca deixada pelos nossos artistas negros. Já Sérgio Buarque de Holanda preferiu o termo mulatismo, que não se limita aos dois artistas aqui citados. O crítico Augusto de Lima Júnior considera o mulatismo uma marca que se reconhece em artistas dessa época, muitas vezes anônimos, que também apresentavam traços negróides nas figuras humanas dos painéis que pintavam.

Antônio Francisco Lisboa, O Aleijadinho (Vila Rica – c. 1738-1814)

Era filho de arquiteto português e de mãe escrava. Aprendeu arte com o pai, com quem mais tarde concorreu para a execução de alguns projetos. Entre as inúmeras igrejas que construiu em Minas Gerais, a que lhe granjeou mais fama foi a de São Francisco de Assis, de Ouro Preto, com as inovadoras plantas elípticas e de torres redondas, quebrando com essa concepção original a uniformidade do barroco de importação, inspiração do novo barroco de Borromini.
No entanto, foi como escultor que produziu as suas melhores obras: os doze profetas esculpidos em pedra sabão e as 66 figuras em madeira pintada que reproduzem os Passos da Paixão de Cristo. Elas se encontram no exterior do Seminário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo (MG).
Perto dos 50 anos, uma doença degenerativa consumiu seu corpo, levando-o a ter que trabalhar com os instrumentos amarrados no coto dos braços e com a ajuda de discípulos, entre eles dois escravos de origem nigeriana.

Valentim da Fonseca e Silva (C. 1750-1813)

Conhecido como Mestre Valentim, era filho de um pequeno fidalgo português, tornado contratador de diamantes, e de mãe escrava. Viveu parte da sua infância e mocidade em Portugal, onde estudou com grandes mestres, inclusive Bartolomeu da Costa, autor da estátua do Marquês de Pombal, com quem aprendeu a torêutica, arte de esculpir ou cinzelar madeira, marfim e metais. De regresso ao Brasil, no final do século XVIII, tornou-se o maior empresário de obras do que hoje poderíamos chamar de urbanismo paisagístico e arquitetura de equipamentos urbanos. Exemplos mais conhecidos dessas obras são as realizadas no Rio de Janeiro no Passeio Público e no chafariz da Praça XV. No Passeio, com os maciços de árvores em canteiros, estátuas de seres mitológicos e fontes jorrando em cascata, construiu um espaço “parisiense” adaptado aos trópicos. Essas obras foram quase todas encomendadas pelo Vice-rei D. Luís de Vasconcelos e Souza, durante o seu governo no Rio entre 1779 e 1790.
A produção de talha e imagens de santos do Mestre encontra-se em igrejas do Rio de Janeiro, como as da Boa Morte, do Mosteiro de São Bento, da Ordem Terceira do Carmo e de São Francisco de Paula.
O Aleijadinho e Mestre Valentim utilizaram fontes distintas para a elaboração do seu modelo próprio. Mestre Valentim, pelo que se sabe, foi mais inspirado pelo rococó da Escola do Porto. Entre os discípulos de Mestre Valentim, os mais citados são: Simeão José de Nazaré, Francisco de Paula Borges e José Carlos Pinto. Formados no ateliê de o Aleijadinho destacaram-se José Soares da Silva e Justino Ferreira de Andrade. São admirados também os entalhadores Agostinho e Maurício, escravos de o Aleijadinho.
Registrem-se, finalmente, os biógrafos desses dois artistas: Rodrigo Gerreira Bretas, professor da província de Minas Gerais, que publicou a biografia de o Aleijadinho, em 1858, no Correio Oficial de Minas, em Ouro Preto; e Manuel de Araújo Porto-Alegre, professor da Academia de Belas Artes, que publicou, em 1856, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a primeira biografia de Mestre Valentim.

Manuel da Cunha (1762-1809)

É o único pintor que se conhece ter iniciado a sua carreira na condição de escravo e comprado a alforria com o produto de sua arte. Nascido e falecido no Rio de Janeiro, conseguiu, depois de livre, completar os seus estudos em Lisboa, dedicando-se à pintura e escultura.
Formou muitos discípulos, numa escola que mantinha em sua casa. Foi autor de murais espalhados por várias igrejas do Rio de Janeiro, com destaque para os que executou na Igreja da Boa Morte.

Manuel da Costa Ataíde (1762-1830)

Considerado o maior pintor sacro do século XVIII, fez parte de um grupo de artistas denominado “Escola de Mariana”. A sua atuação em várias irmandades religiosas levou-o a receber a patente de alferes e, pouco depois, sendo titulado Mestre em Arquitetura e pintura. O seu estilo barroco, embora influenciado pelas escolas italiana e francesa, deixava transparecer a sua origem africana, não só nas feições das figuras como na escolha das cores em suas obras. Entre elas destaca-se a Glorificação da Virgem, pintada na nave da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto e A Ceia do Senhor, no Colégio do Caraça, em Santa Bárbara, MG.

III. O Negro nas Artes no Século XIX

O século XIX vai proporcionar uma nova feição às artes visuais brasileiras. Em Novembro de 1800 foi criada, no Rio de Janeiro, a Escola Pública de Desenho e Figura. A chegada da corte portuguesa, em 1808, foi um marco nessa mudança, sobretudo com a chegada, em 1816, da Missão Francesa que irá instituir o Neoclassicismo no Brasil. As artes passam então a participar diretamente de um circuito internacional que o barroco não tivera. Diga-se, de passagem, que o isolamento internacional que o barroco sofreu terá, provavelmente, contribuído para a sua originalidade tão afro-brasileira.
Logo depois da chegada dos professores franceses foi criada, em agosto de 1818, a Escola Real de Artes e Ofícios no Rio de Janeiro. Dois anos depois, com a colaboração francesa é criada a Escola Imperial de Artes que se tornará, em 1890, a Escola Nacional de Belas Artes.
Se no período colonial a maior parte dos nossos tesouros artísticos foi de autoria de negros, o mesmo não ocorrerá nos séculos XIX e XX. É preciso ter presente a mentalidade reinante nessa época de escravismo, onde qualquer tipo de trabalho, mesmo artístico, era indigno de um branco da casa-grande.
Dessa regra eram quase a única exceção os padres que, de modo geral, aprendiam as artes na Metrópole. Para uma eficaz ação evangélica da Igreja eram indispensáveis várias artes, e não só a retórica dos sermões. Eram necessários muitos templos, que se espalhavam por cada capitania. Cada um deles requisitava arquitetos, pintores, escultores, músicos (o padre José Maurício Nunes Garcia é o músico mais reverenciado da época). E não esqueçamos os corais, quase todos formados por negros, principalmente até meados do setecentos, por jesuítas.
No início do século XIX, em face dos fatos atrás relatados, bem como da consolidação do estilo implantado pela Academia, há um grande aumento de encomendas dos governos, expande-se o mercado das artes e aumentam as viagens de estudo ao exterior. Pela capacidade que a arte adquire de constituir carreiras promissoras, ela finalmente passa a atrair os filhos da aristocracia rural e da burguesia emergente.
O artista negro se refugia, na sua maioria, na arte de inspiração religiosa afro-brasileira ou numa produção de tipo naif. Mencionaremos aqui, já no século XX, os casos de Heitor dos Prazeres e de Mestre Didi. Contudo, durante os anos do oitocentos, alguns artistas negros se sobressaíram na arte propugnada pela Academia. Entre estes, citamos: Firmino Monteiro, Estevão Silva, Fernando Pinto Bandeira e Artur Timóteo da Costa.
A arte afro-brasileira só passou a ser devidamente valorizada, como expressão de grandeza de brasilidade, a partir do Movimento Modernista dos anos de 1920 e nas excursões que Mário de Andrade liderou por Minas Gerais e Nordeste. O reconhecimento ganhou foros intelectuais com a criação da Universidade de São Paulo em 1934 e, a seguir, com a Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro.

IV Artistas Contemporâneos



1. Heitor dos Prazeres (1898-1966)

Compositor e pintor nascido e falecido no Rio de Janeiro, foi um sambista pioneiro, participando da fundação das escolas de samba da Portela e da Mangueira. Rubem Braga, no seu texto Três primitivos, narra seu passado de menino de rua e suas parcerias musicais com os sambistasSinhô e Noel Rosa. A sua carreira de pintor só foi iniciada em 1936, tendo como inspiração o samba e o cotidiano dos morros cariocas, onde a sua gente aparecia nos seus quadros com o rosto em perfil, o corpo de frente e “os dentinhos de fora”. Tornou-se prestigiado após a sua participação na I Bienal de São Paulo, em 1951, e foi um dos representantes da delegação brasileira no Festival Mundial de Arte Negra, em Dacar (Senegal,1966).

2. Mestre Didi (1917)

Nome pelo qual se fez conhecido Deoscóredes Maximiliano dos Santos, nascido em Salvador, filho biológico da renomada ialorixá Mãe Senhora, da nação Ketu, do Axé Opó Afonjá. Além de açobá, Mestre Didi é alto dignatário do culto dos ancestrais na Bahia. O seu livro mais conhecido, publicado em 1962 e reeditado, intitula-se Contos negros da Bahia. Os seus trabalhos, de cunho ritual, são sobretudo esculturas feitas com produtos naturais.
Na contemporaneidade do século XX, os artistas negros enveredaram por várias escolas, sem que, no entanto, deixassem de marcar a sua afro-brasilidade. A dimensão dedicada a este trabalho não permite – e também não é tão necessária – uma introdução, como foi feita nos capítulos anteriores. Limitamo-nos assim, a pequenos verbetes de alguns dos artistas considerados relevantes. Seguimos a ordem cronológica.

Djanira da Motta e Silva (1914-79)
Embora não tivesse sangue negro, dedicou grande atenção à cultura e às tradições africanas. Descendente de índios guaranis e de austríacos, nasceu no interior de São Paulo e foi morar na capital, onde passou uma vida de privações. Contraiu tuberculose aos 23 anos, mas conseguiu sobreviver. Mudou-se para o Rio, onde trabalhou como modista e cozinheira, contudo logrou conseguir aulas de pintura com Emeric Marcier e freqüentou o Liceu de Artes e Ofícios. Começou a expor a partir de 1942, com ampla aceitação da crítica e dopúblico. Fez o retrato apaixonado de sua terra e sua gente,sem jamais recorrer ao anedótico, sem concessões aofácil e ao pitoresco. Nunca se considerou uma pintora ingênua.


José de Dome (1921-1982)
Nome artístico do sergipano José Antônio dos Santos. Realizou sua primeira exposição individual em 1955. Figurativista intuitivo e lírico, dedicou-se a paisagens e a tipos populares. Em Cabo Frio,onde viveu grande parte da sua vida, o prédio da Secretaria de Cultura tem o seu nome.





Rubem Valentim (1922-91)






Sua carreira se projeta a partir de 1942 e dois anos depois expôs na Bahia aquele que é considerado como o primeiro quadro abstrato executado no estado. Foi expositor constante, como pintor e escultor, na Bienais de São Paulo entre 1955 e 1977. Participouda delegação brasileira em doisfestivais mundiais de Arte Negra: em Dacar (1966) e em Lagos (1977), com uma arte geométricaostentando símbolos dos cultos afro-brasileiros.


Antônio Bandeira (1922-1967)
Nascido no Ceará, formou-se em Paris, onde veio a falecer. Com valiosa produção abstracionista, participou das Bienais de São Paulo e Veneza, e tem sua obra distribuída por diversos museus no Brasil e no exterior. Ocupa uma das mais destacadas posições em toda a história da arte brasileira.






Otávio Araújo (1926)
Nascido em São Paulo, de condição modesta, conseguiu realizar asuaprimeira exposição no Rio de Janeiro em 1946, participando do “Grupodos 19”. A obtenção de um prêmio permitiu-lhe viajar para a Europa. Foi assistente de Portinari entre 1952 e 1957. Viajou então para a União Soviética, onde abraçou o surrealismo eslavo, então em voga entre os dissidentes soviéticos.







Maria Auxiliadora (1938-74)
Artista mineira, teve a sua produção marcada por uma técnica de colagem de cabelo natural, que iniciou em 1968. Ela descreve: “A tinta já ia junto com o cabelo, já na tela, já ia bater no pincel para ficar ali (...). Nesse ano, o meu quadro de candomblé ganhou o 1º prêmio em Embú”. A outra característica, onde alguns vêm um afloramento da pop art, é a utilização da massa plástica para obter relevo e movimento. Na sua arte misturam-se sexualidade e temas religiosos, fertilidade e candomblé.



Emanoel Araújo (1940)
Artista baiano que, através da gravura, da madeira e do aço, do figurativo ao abstrato, sempre se inspirou nas tradições do povo baiano.
Como crítico de arte, produtor e administrador cultural (Pinacoteca de São Paulo) e possuidor de uma importante coleção de obras de arte, ele organizou, em 1988, o livro A mão afro-brasileira, a mais completa obra sobre o tema.


























quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Manifesto dos Brancos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Este texto é um manifesto escrito e subscrito por brancos que compõem a comunidade escolar da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ele é uma retumbante admissão pública, por nossa parte, de que vivemos em um contexto de exclusão estrutural de negros e indígenas dos benefícios e espaços de cidadania produzidos por nossa sociedade e onde, ao mesmo tempo, é produzida uma teia de privilégios a nós brancos, que torna completamente desigual e desumana nossa convivência. Somos opressores, exploradores e privilegiados mesmo quando não queremos ser. O racismo não é um "problema dos negros", mas também dos brancos. É pelo reconhecimento destes privilégios que marcam toda nossa existência, mesmo que nós brancos não os enxerguemos cotidianamente, que exigimos a imediata aprovação de Ações afirmativas de Reparação às populações negras e indígenas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
No Brasil vivemos em um estado de racismo estrutural. Já é comprovado que raça é um conceito biologicamente inadmissível, só existe raça humana e pronto. Mas socialmente, nos vemos e construímos nossa realidade diária em cima de concepções raciais. Portanto, raça é uma realidade sociológica. Não é uma questão de que eu ou você sejamos pessoalmente preconceituosos. Mas é só olhar para qualquer pesquisa que veremos como existe um processo de atração e exclusão de pessoas para estes ou aqueles espaços sociais, dependendo de sua cor. Não é à toa que não temos quase médicos negros, embora eles sejam a maioria nas filas dos postos de saúde; que quase não vemos jornalistas negros, mas estes são expostos diariamente em páginas policiais; que não temos quase professores negros, especialmente em posições com melhores salários, e vemos alunos negros apenas em escolas públicas enquanto, na universidade pública quase só encontramos brancos.
A situação dos indígenas não é diferente, quando eles ainda sofrem lutando pelo direito mínimo de ter suas terras e aldeias, mesmo isso lhes é surrupiado pelos brancos. Vamos parar com esta falácia de dizer que não aceitamos cotas raciais na universidade, porque não queremos ser racistas: se vivemos no Brasil, se fomos criados nesta cultura, se construímos nossas vidas dentro deste conjunto de relações onde a raça é um elemento determinante, somos todos racistas! Não fujamos da realidade. Não usemos a falsa desculpa de que não queremos criar divisões entre raças no Brasil. Nossa sociedade poderia ser mais dividida racialmente do que já é hoje?
O estudo de Marcelo Paixão intitulado "Racismo, pobreza e violência", compara o IDH dos brancos e dos negros dentro do Brasil. O IDH tenta medir a qualidade de vida das populações, combinando os três fatores que, por abranger, cada qual, uma imensa variedade de outros, seriam os essenciais para a medição: renda por habitante, escolaridade e expectativa de vida. Na última versão do IDH, de 2002, o Brasil ocupa o 73º lugar entre 173 países avaliados, mesmo possuindo todas as riquezas nacionais e sendo o 11º país mais desenvolvido economicamente no mundo. Porém, entre 1992 e 2001, enquanto em geral o número de pobres ficou 5 milhões menor, o dos pretos e pardos ficou 500 mil maior. [Consideram-se brancos 53,7% dos brasileiros; pretos ou pardos, 44,7%, que chamaremos, hora em diante de negros]. O estudo mostra que Brasil dos brancos seria, na média o 44º do mundo em matéria de desenvolvimento humano, ao passo que o Brasil dos negros estaria no 104º lugar!!!
Nada disso é novidade, porém, para quem aceita viver com os olhos minimamente abertos. Temos que reconhecer que vivemos num sistema estruturalmente racista, que se reproduz em cima de mecanismos constantes de exclusão e exploração dos negros e de privilégios naturalizados aos brancos. Em um sistema racista, pessoas brancas se beneficiam do racismo, mesmo que não tenham intenções de serem racistas. Nós brancos não precisamos enxergar o racismo estrutural porque não sofremos diariamente diversos processos de exclusão e tratamento negativamente diferencial por causa de nossa raça. Nossa raça (e seus privilégios) são tornados invisíveis dia-a-dia. Este sistema de privilégios invisíveis a nós brancos é que nos põe em vantagens a todo instante, por toda nossa vida, em todas as situações, e que destroça qualquer tentativa de pensarmos que estamos onde estamos apenas por méritos pessoais. Que mérito puro pode ter qualquer branco de estar no lugar confortável em que se encontra hoje, mesmo que tenha saído da pobreza, dentro de um sistema que lhe privilegiou apenas por ser branco, ao mesmo tempo em que prejudicou outros tantos apenas por serem negros?
Vamos apresentar uma breve listinha de circunstâncias em nossas vidas que expõem nossos privilégios de brancos e que, embora não percebêssemos, embora os víssemos apenas como relações naturais para nós, por sermos pessoas normais e "de bem", foram decisivas para nos trazer onde estamos (e por não serem vivenciados também por negros e indígenas, seu resultado é fazer com que seja tão desproporcional o número destas populações dentro da UFRGS, por exemplo): 1) Sempre pude estar seguro de que a cor da minha pele não faria as pessoas me tratarem diferentemente na escola, no ônibus, nas lojas, etc; 2) Estou seguro de que a cor da pele dos meus pais nunca os prejudicou em termos das busca ou da manutenção de um emprego; 3) Estou seguro de que a cor da pele dos meus pais nunca fez com que seu salário fosse mais baixo que o de outra pessoa cumprindo sua mesma função; 4) Posso ligar a televisão e ver pessoas de minha raça em grande número e muitas em posições sociais confortáveis e que me dão perspectivas para o futuro; 5) Na escola, aprendi diversas coisas inventadas, descobertas, grandes heróis e grandes obras feitas por pessoas da minha raça; 6) A maior parte do tempo, na escola, estudei sobre a história dos meus antepassados e, por saber de onde eu vim, tenho mais segurança de quem sou e pra onde posso ir; 7) Nunca precisei ouvir que no meu estado não existiam pessoas da minha raça; 8) Nunca tive medo de ser abordado por um policial motivado especialmente pela cor da minha pele; 9) Já fiz coisas erradas e mesmo ilegais por necessidade, e nunca tive medo que minha raça fosse um elemento que reforçasse minha possível condenação; 10) Posso ir numa livraria e perder a conta de quantos escritores de minha raça posso encontrar, retratando minha realidade, assim como em qualquer loja e encontrar diversos produtos que respeitam minha cultura; 11) Nunca sofri com brincadeiras ofensivas por causa de minha raça; 12) Meus pais nunca precisaram me atender para aliviar meu sofrimento por este tipo de "brincadeira"; 13) Sempre tive professores da minha raça; 14) Nunca me senti minoria em termos da minha raça, em nenhuma situação; 15) Todas as pessoas bem sucedidas que eu conheci até hoje eram da mesma raça que eu; 16) Posso falar com a boca cheia e ficar tranqüilo de que ninguém relacionará isso com minha raça; 17) Posso fazer o que eu quiser, errar o quanto quiser, falar o que eu quiser, sem que ninguém ligue isso a minha raça; 18) Nunca, em alguma conversa em grupo, fui forçado a falar em nome de minha raça, carregando nas costas o peso de representar 45% da população brasileira; 19) Sempre pude abrir revistas e jornais, desde minha infância, e estar seguro de ver muitas pessoas parecidas comigo; 20) Sempre estive seguro de que a cor da minha pele não seria um elemento prejudicial a mim em nenhuma entrevista para emprego ou estágio; 21) Se eu declarar que "o que está em jogo é uma questão racial" não serei acusado de estar tentando defender meu interesse pessoal; 22) Se eu precisar de algum tratamento medico tenho convicção de que a cor da minha pele não fará com que meu tratamento sofra dificuldades; 23) Posso fazer minhas atividades seguro de que não experienciarei sentimentos de rejeição a minha raça.
Esta realidade destroça meu mito pessoal de meritocracia. Minha vida não foi o que eu sozinho fiz dela. Muitas portas me foram abertas baseadas na minha raça, assim como fechadas a outras pessoas. A opção de falar ou não em privilégios dos brancos já é um privilegio de brancos. Se o racismo, e os privilégios dos brancos são estruturais, as ações contra o racismo devem ser também estruturais. Racismo não é preconceito: racismo é preconceito mais poder. Se não forçarmos mudanças nas relações e posições de poder em nossa sociedade, estaremos reproduzindo o racismo que recebemos. E agora chegou a hora de a universidade dizer publicamente: vai ou não vai "cortar na própria pele" o racismo que até hoje ajudou a reproduzir, estabelecendo imediatamente Cotas no seu próximo vestibular? Se mantivermos o vestibular "cego às desigualdades raciais" estaremos, na verdade, mantendo nossos olhos fechados para as desigualdades raciais que nós mesmos ajudamos a reproduzir sociedade afora.
Nós, brancos da universidade que assinamos esta carta já nos posicionamos: exigimos cortar em nossa própria pele os privilégios que até hoje nos sustentaram.

TRILHAS DA DIÁSPORA

TRILHAS DA DIÁSPORA
Zulu Araújo
Presidente da Fundação Cultural Palmares / Ministério da Cultura
Um novo cenário apresenta-se no Estado de Pernambuco, a partir de novembro - As trilhas da diáspora na América Latina. Desta vez, aportaremos no lugarejo, chamado Porto de Galinhas, não como milhares de africanos chegaram anos atrás, trazidos clandestinamente como escravos, mas como portadores de uma cultura milenar, que se espalhou e se consolidou pelo mundo afora, mesmo nas condições mais adversas. Sem dúvida alguma, será um momento de reflexão de um passado nada glorioso, mas rico por carregar a tradição de uma cultura viva e palpitante - a cultura negra. Entre sol escaldante, coqueiros e areias, o Brasil encontrar-se-á novamente com a sua mãe-África na grande Festa Literária de Porto de Galinhas (Fliporto). É o passado e o presente convergindo nessas plagas, já experientes de outros eventos reflexivos da questão racial. Pernambuco já deu mostras, no passado, do seu compromisso com as nossas raízes africanas. Foi palco, ainda em 1934, do Primeiro Congresso Afro-Brasileiro, em que se destacou o grande poeta do povo e o homenageado desta festa literária Solano Trindade. O Congresso, organizado por Solano, juntamente com outros intelectuais, como Gilberto Freyre, embora tenha postulado o mito da democracia racial, visível na obra Casa-Grande & Senzala, foi um marco na visão sobre a participação do negro na sociedade brasileira. Pela primeira vez, no Brasil e na América do Sul, realizou-se um evento com a temática racial. A este evento se seguiram muitos outros. E aqui faço uma referência à 2a. Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora, realizada em Salvador, em julho de 2006, organizada pelo Ministério das Relações Exteriores e que contou com a participação da Fundação Cultural Palmares na coordenação das atividades culturais e que teve como tema principal "A Diáspora e o Renascimento Africano". O evento reuniu mais de mil pessoas e teve a participação de sete chefes de Estado e de personalidades reconhecidas pelo trabalho em prol da paz e da igualdade, inclusive do cantor Steve Wonder e da queniana Wangari Maathai, primeira mulher africana a receber o Prêmio Nobel da Paz, por sua luta na defesa do desenvolvimento sustentável, da democracia e da paz. Na ocasião, foram discutidas soluções para problemas que atingem os afro-descendentes nos países da diáspora, tendo em vista as populações negras no mundo enfrentarem problemas comuns, como a violência racial, a discriminação no mercado de trabalho, o preconceito às suas matrizes religiosas e as dificuldades no acesso à educação. Os pontos principais do documento final, produzido após cinco dias de debate, apontaram que o crescimento da consciência de uma cidadania africana, com suas repercussões políticas, econômicas e culturais, é essencial para o renascimento africano. Mais do que isso, a diáspora africana é parte fundamental do patrimônio cultural e político do continente.
Diálogo permanente
Desde então, a Fundação Cultural Palmares, órgão do Ministério da Cultura, vem se empenhando para consolidar as propostas daquela Conferência. Neste sentido, está criando o Observatório Afro-Latino, ferramenta que, como o próprio nome sugere, possibilitará um diálogo mais permanente entre as comunidades negras latino-americanas, com trocas de experiências, intercâmbios e ações comuns visando à compreensão das semelhanças e diferenças da história e dos processos de integração social das comunidades negras nos países latino-americanos. Diante das ações afirmativas que o governo federal vem adotando pela promoção da igualdade racial no Brasil, pode-se afirmar que o povo brasileiro está mais receptivo que em outros tempos com a questão racial. Haja vista a aceitação e o sucesso do sistema de cotas nas universidades públicas. Olhar para o passado e compartilhar memórias é importante para a reconstrução simbólica da presença da cultura negra no Brasil. E o debate sobre as trilhas da diáspora, como proposto para essa Festa Literária, será um momento rico e importante para, mais uma vez, revisitarmos este valoroso patrimônio inscrito nos fazeres e saberes do povo afro-descendente. Não podemos nos furtar de ajustar contas com o passado. Foram quase quatro séculos de escravização, com vidas ceifadas e torturadas no que tem de mais ignóbil na humanidade. Porto de Galinhas será um palco apropriado para isso. A Fundação Palmares compartilha desse desafio, e estará na Fliporto olhando para o futuro, na perspectiva de contribuir com o pensamento intelectual brasileiro e latino-americano em busca de caminhos e espaços que promovam não só a rica e criativa cultura negra na diáspora, como também as ações que levem à plena inserção dos afro-descendentes em suas respectivas sociedades, seja no mercado de trabalho, no ensino superior, na mídia, na cultura etc. Afinal, lá se vão 120 anos que o Brasil rompeu a escravidão (foi o país que mais tardou a abolir a escravatura), porém, ainda hoje assistimos às consequências dessa mazela, que se manifesta por meio das exclusões e discriminações mais variadas. Os testemunhos são os inúmeros artigos, ensaios e manifestos publicados com certo estardalhaço em alguns veículos de comunicação, criticando políticas públicas que visam um pais justo e fraterno e contra o sistema de cotas raciais nas universidades públicas.
Direito à cidadania
O direito à cidadania tem de ser igual para todos. E essa é uma tarefa também de todos, independente de credo, raça ou classe social. Para falar do conceito de cidadania valemo-nos da análise de T. S. Marshall, conhecido sociólogo e autor do livro Cidadania, classe social e status (Zahar Editores). Para ele, cidadania é a articulação dos direitos civis, políticos e sociais, além dos deveres. Segundo a sua conceituação, atualíssima, embora desenvolvida em 1950, os direitos civis correspondem aos direitos relativos à liberdade individual, ou seja, o direito de dispor do próprio corpo, a liberdade de ir e vir, o direito à justiça, entre outros. Os direitos políticos garantem aos cidadãos a participação livre na atividade política. Esses direitos devem garantir ainda a livre expressão do pensamento, a liberdade de religião, de imprensa e de organização. Por fim, os direitos sociais atendem às necessidades humanas básicas. Relacionam-se com o direito a salário, saúde, educação, habitação e alimentação. Deriva-se daí que a cada um desses direitos correspondem um conjunto de instituições, quais sejam, os tribunais, para salvaguardar os direitos civis; as assembléias representativas como fóruns de decisões políticas; e aos direitos sociais relacionam-se os serviços sociais, para garantir proteção contra a miséria, e as escolas, para viabilizar o acesso à educação. Só que não bastam direitos, há também deveres. Ou seja, para Marshall, todo cidadão deveria respeitar o acesso de seus concidadãos aos direitos básicos. Ora, dentre esses direitos, os sociais, que trazem no seu íntimo a educação, têm maior impacto. É o que assistimos hoje com o sistema de cotas nas universidades. E a nossa aposta está em provocar mais e mais os jovens a pensarem na sua identidade e forjarem seu lugar de direito na sociedade brasileira. É princípio republicano e democrático. Então, ao se discutir, pensar e refletir sobre as trilhas da diáspora, é preciso remontar todo o cenário histórico em que se construíram e se constróem este país e a América Latina. É necessário mostrar que apesar de essas trilhas terem sido forjadas no sofrimento, na exploração e na humilhação, ainda assim, o legado civilizatório dessa comunidade é altamente positivo, diria mesmo determinante na formação social e cultural brasileira. Só com os direitos civis, políticos e sociais plenamente assegurados seremos capazes de compartilhar o sonho de liberdade pelo qual lutou Zumbi dos Palmares. É um momento de reflexão e debates que servirá, como disse nosso ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, para "cada vez menos lamentarmos as exclusões e discriminações sofridas pela comunidade negra e, cada vez mais, celebrarmos os avanços alcançados pela sociedade brasileira e pelo Estado para a democracia racial".
Que odé lhe dê muito àsé!!Babá Kytalamy

DEPUTADO QUER REVOGAR LEIS DA UMBANDA, CANDOMBLÉ E ORIXÁS

DEPUTADO QUER REVOGAR LEIS DA UMBANDA, CANDOMBLÉ E ORIXÁS
O deputado estadual Edson Albertassi apresentou, nesta quarta-feira (08/09), um projeto de lei revogando as leis que declaram a Umbanda, o Candomblé e os dias de Iemanjá, Nanã, Iansã e Oxum como patrimônio imaterial do Estado do Rio de Janeiro.

As leis são de autoria do deputado estadual Átila Nunes, que tem uma atuação voltada para os interesses dos umnbandistas.

As leis do Dia de Iemanjá e do Dia de Oxum foram aprovadas pelos deputados em 2009 e início de 2010. Edson Albertassi quer a sua revogação De acordo com o deputado Albertassi, estas leis ferem a Constituição Federal: “Não é correto que o Estado Laico e Democrático transforme religiões e festividades religiosas em patrimônio imaterial”.
Edson Albertassi diz que as leis do deputado estadual Átila Nunes impedirão a pregação eloqüente de pregadores pentecostais, testemunhos de ex-macumbeiros e cultos de libertação possam ser atingidos. Segundo o deputado Albertassi, "no Brasil, há uma mistura sobre os conceitos de cultura e religião. Precisamos separar estas duas questões, porque sob o viés de “cultura, algumas religiões vêm sendo beneficiadas pelo poder público em detrimento das outras”.

Segundo Albertassi, foi assim que muitas leis beneficiando a Umbanda foram aprovadas na Assembléia Legislativa pelo meu colega deputado Átila Nunes. "Não se trata de nada pessoal contra ele, mas sim contra a Umbanda e o Candomblé, que não podem se igualar aos evangélicos, este sim, verdadeiros religiosos que não se baseiam em vodus e manifestações questionáveis"

Albertassi reconhece o trabalho de décadas "do deputado estadual Átila Nunes em defesa de sua seita, mas existe um limite nas suas ações de reconhecimento e na busca de igualdade de tratamento da Umbanda e do Candomblé com as religiões cristãs".

A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) fará protesto contra Val Baiano jogador do Flamengo na III Caminhada em Defesa da Liberdade Reli


Comissão fará protesto contra Val Baiano

14 de Setembro de 2010 16:27
Fonte yahoo.com.br


A fase de Val Baiano, do Flamengo, não é nada boa mesmo. Em protesto contra uma declaração recente do atacante, a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), que foi fundada por umbandistas e candomblecistas, fará ato de repúdio contra o jogador na III Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, no próximo domingo, às 11h, no Posto Seis, em Copacabana.
Após a caminhada, os membros ainda pedirão audiência com o Ministro dos Esportes, Orlando Silva. O objetivo é fazer com que os atletas tenham cautela com suas declarações que incitam ao ódio e ao preconceito, destaca a assessoria de imprensa do movimento.
Ao falar sobre o mau momento dos atacantes do Flamengo no Campeonato Brasileiro, Val Baiano deu a seguinte declaração na semana passada: - Confio em Deus. Acho importante rezar e orar. Só não gosto de macumba. Se fosse do bem, seria boacumba. Quem sabe jogar água benta nas traves da Gávea....